terça-feira, 2 de junho de 2015

ME DEIXE MORRER EM SEATTLE




VIII



Layne não ficou com Scott, não poderia ficar naquela casa, partiu, voltou a pé, da mesma forma que chegara, debaixo de chuva, quando estava no centro da cidade, circulando pelas ruas, conhecia algumas pessoas, com as quais costumava se drogar, algumas prostitutas que o adoravam, apesar de nenhuma delas ter estado com ele, elas o amavam, pelo simples fato de ele sempre ser gentil com todas, e nunca as tratar como vadias, mas nunca as levava para cama, elas diziam que ele era o anjinho, o carinha estranho, tão lindo, mas só queria se drogar, nada de sexo, nem com homens, nem com mulheres, a conversa que se espalhava a boca pequena, era que ele mantinha uma relação de amor com a irmã, ninguém tinha certeza, mas todos comentavam, que ela o dominava e o mantinha preso a si, que o rapaz só tinha olhos para ela, era uma loucura, todo mundo dizia, mas naquele mundo louco que viviam, nada mais surpreendia, tudo era possível, a loucura naquela cidade parecia uma regra, a periferia vivia seus dias de maior agitação, nunca antes a movimentação por aqueles lados havia sido tão grande, o fluxo de pessoas por lá aumentara consideravelmente nos últimos meses, jovens de várias partes do país haviam se mudado para cidade, diziam que era por causa do cenário musical, que havia explodido pelo mundo e algumas bandas de lá eram o maior sucesso por todo o planeta, isso fez com que os olhos do mundo se voltassem para a cidade e consequentemente, muitos jovens sonhadores, desejassem viver nesse cenário de rebeldia e loucura rock n' roll. Isso era bom, para o underground, os negócios aumentavam, as prostitutas trabalhavam mais. Em contrapartida os crimes e mortes também aumentavam em proporção equivalente. O consumo de drogas aumentou, jovens perdidos pelas ruas, bêbados circulando também. Scott achava bom, assim podia destruir mais facilmente a loucura do fanático, pois na mesma proporção o fanatismo aumentava, visto que a divulgação de que o demônio estava caminhando pela cidade e arrebatando almas para o inferno, fez com que a população vivesse os tempos mais loucos jamais vistos. De um lado o cenário da juventude perdida, em meio à homossexualidade, e promiscuidade, drogas e perdição, a própria visão do inferno, do outro, a visão alienada, fanática e violenta dos pregadores e falsos moralistas, envenenados, a cada dia pelo godsmack, o bispo ia transformando a cidade num verdadeiro campo da guerra, e sentia enorme satisfação, queria instalar o caos, para assim mostrar todo seu poder santo, de destruição do mal. O que ocorria em suas igrejas era grotesco e selvagem, talvez pior do que qualquer cena vista nas ruas, o mal verdadeiro, estava no fanatismo cego, na ignorância manipulada, na crença violada com a maldade de um homem que abusava da sua capacidade de coagir as massas e transformá-los em ratos assustados, dependentes da santa cura, que na verdade era a destruição.



Era hora de um dos cultos em uma das igrejas, estava lotada, homens do bispo circulavam sem parar, distribuindo "a água", no começo de todos os cultos era obrigatório que todos bebessem a tal água, que era contaminada com o godsmack, o bispo diziam que era preciso beber água para purificar a palavra, para que todos entrassem limpos, e iniciassem as orações com as bocas purificadas, por todos o mal do homem estava em sua boca, os fiéis bebiam afoitos, todos queriam estar puros e serem dignos dos olhares dos bispo, todos queriam ser escolhidos para subir no palco e receber a purificação na frente de todos, e ali, enquanto bebiam a água eram envenenados,  durante o culto, a coisa ia fazendo efeito, a agitação geral ia aumentando, e o bispo ia direcionando as sessões como quisesse, se queria causar espanto, alucinações coletivas, histeria generalizada, qualquer coisa, mas o que ele mais gostava, era de operar o milagre da cura, de fazer as pessoas com deformações decorrentes do uso da droga, se curassem milagrosamente, coisa que sabia ser possível ministrando um antídoto, que rapidamente agia, liberando o efeito do corpo e com ajuda do controle da respiração, fazia a pessoa ir retornando ao normal, um milagre que ninguém nunca vira, uma coisa tão real. O bispo era aclamado, como um santo, com poderes vindos diretamente do céu, era o eleito, mesmo quando agia com violência na frente de todos.
Os fiéis acreditavam que era necessário, o santo homem sabia o que precisava ser feito, suas mãos e palavras tinham o dom, ele era especial, sempre agia certo, homem santo.
Mesmo quando em uma das sessões ele e seus homens espancaram um homem que se recusava a receber a cura, e gritava que tudo ali era uma farsa,  e que o bispo era um mentiroso, que todos estavam sendo enganados, mesmo quando os homens do bispo começaram a bater no homem, até que ele ficasse desacordado e caído no chão, os fiéis acreditaram que quem falava ali era o próprio demônio que estava dominando aquele pobre coitado, que não tinha mais controle de si, e que havia sido necessário usar da força para tirar de seu corpo o espírito maldito que estava querendo destruir o santo homem, aquele homem foi morto pelos capangas, foi morto ali, no próprio palco, na frente de todos, mas o santo homem disse a todos que ele estava desacordado porque o diabo quando saiu de seu corpo, o havia deixado muito fraco, sem condições de voltar a si, e fora levado embora para ser cuidado pelas santas irmãs do culto, a mais pura mentira, jogaram o corpo do homem em um incinerador, acabaram com qualquer vestígio de sua existência, nunca mais se ouviu falar dele, quando foi questionado em dos cultos, ele contou emocionado aos fiéis, que o rapaz havia se curado totalmente e resolvera partir para o Texas,  arrumaram um trabalho para ele por lá.
A maioria dos cultos tinha sempre cenas macabras, coisas pavorosas, cenários criados para incitar ainda mais medo, as pessoas que frequentavam aqueles cultos, em vez de saírem de lá com o espírito leve e renovado como seria de se esperar, saíam ainda mais oprimidas e cheias de medo e culpa, mas acreditavam ser assim que as coisas deviam ser mesmo, o mundo era cruel, então as coisas deviam ser duras, o bispo era um homem rígido e exigente com seus fiéis, todos acreditavam cegamente que essa era a única maneira de conseguir salvar o mundo das garras do diabo, que estava devastando a cidade, o medo que sentiam quando saíam dos cultos, era porque na verdade seus corações ainda não estavam puros e livres do mal, ainda estavam cheios de corrupção e lascívia, deveriam confessar ao bispo essas coisas, porque ainda tinham medo, e se isso ainda acontecia, como o santo homem dizia, era porque o diabo ainda soprava em seus ouvidos e de alguma maneira, ainda estavam dando ouvidos, era necessário receber alguma punição, ser castigado, pagar, prestar contas para tentar a purificação, a libertação do demônio era muito difícil, ele era tão sedutor, o demônio fazia as pessoas sorrirem e amarem e sentirem desejos, mas o bispo dizia que tudo isso era errado, e a única forma de viver corretamente, era em silêncio, com medo, e pedindo para ser perdoado por todos os pensamentos impuros, era preciso beber a água, para se purificar, afinal tantas pessoas estavam recebendo o toque do diabo e se transformando em monstros, era possível ver pelas rua, as aberrações que andavam, uma coisa pavorosa, as deformidades que o diabo era capaz de causar, e ainda o número de prostitutas e homossexuais aumentando sem parar, isso também era obra do demônio, tantos homossexuais, um horror, e diziam que o demônio tinha um nome e atendia por Scott, e que tinha uma noiva que tinha como amante seu irmão e um outro homem que ela enfeitiçara com suas artes infernais.
Sessões de exorcismo eram comuns nos cultos, o bispo adorava fazer seus shows, eram na verdade espetáculos de aberrações, a plateia gritava em êxtase, de forma alucinada, a histeria era generalizada, por momentos, nem mesmos os homens do bispo conseguiam conter a agitação, em geral o bispo mandava que as luzes fossem apagadas  começava a dar ordens de comando para que as pessoas se acalmassem, aquilo sempre funcionava, manipular as massas é uma coisa simples se você tiver a malícia e a força necessária de comando, e isso o bispo tinha de sobra, aliada à sua maldade, conseguia controlar o público e reiniciar os cultos, nesses dias, as pessoas costumavam sair caladas, com medo, o homem costumava dizer que havia travado uma luta com o diabo dentro da sua igreja, e o havia expulsado e vencido com seu poder maior, os fiéis crédulos e ignorantes, sob efeito da drogas, nem conseguiam discernir direto sobre o que havia acontecido ali dentro, muitos saiam contando fantasias de coisas que tiravam apenas de suas mentes inventivas, fatos que não haviam acontecido, ou alucinações decorrentes da água envenenada, era mais deprimente do que qualquer cenas que pudesse acontecer nas ruas.