segunda-feira, 11 de maio de 2015

ME DEIXE MORRER EM SEATTLE

CAPÍTULO VI


VI



Ela sentia tanto medo, tudo de novo, não era possível, dessa vez estava sozinha, Layne, não estaria ali para ver, seria mais fácil de suportar.
E pensar que Eddie a estava esperando, talvez imaginando que o abandonara, ah, não podia suportar, só de pensar isso, sua dor era maior do que qualquer coisa que pudessem fazer ali com ela, pensar que Eddie pudesse ir embora da cidade, esquecê-la, sentir raiva, pensando que ela preferira ficar com os outros, desespero. Nunca iriam achá-la, nem mesmo Scott. Nenhum barulho, nem passos, nem vozes, nada, só esse barulho de água correndo pelos canos, esse frio.
-Acho que dessa vez vão me matar mesmo, que merda, Eddie...Layne.
Só conseguia pensar que logo eles chegariam e começariam tudo outra vez, ainda se conseguisse se transformar e acabar com todos eles, mas eles tinham aquele porcaria que a deixava paralisada, como será que tinham conseguido aquilo? Quem tinha criado essa merda e entregado na mão desse maldito fanático alucinado?
-Se eu soubesse quem, acabaria com ele com minhas próprias mãos, seria um prazer.
 Não sabia se era dia ou noite, nem há quanto tempo estava lá, parecia uma eternidade, não tinham deixado nem água para que ela bebesse, primeiramente iam usar a tortura psicológica, provavelmente, iam tentar atrair Scott, talvez estivessem reservando seu corpo, como sobremesa apenas, e Scott fosse o prato principal, ela seria a isca, sabiam que tentariam achá-la, que de alguma forma, Roberto e Scott já deveriam estar nas ruas em busca de informação, mas quanto ao Eddie, meu Deus, o que vão dizer a ele? Seu querido amor seria envolvido nessa sujeira toda, de uma forma ou de outra, ela sabia que agora, ou ele partiria de vez, ou estaria no meio da confusão.



As retaliações eram mútuas, a cada ataque do bispo contra um travesti ou uma prostituta, na rua, Scott mandava seus homens destruírem os homens do bispo, tentava evitar que inocentes fossem atacados, mas as vezes era inevitável, uma parte da população já parecia zumbis, sob efeito do godsmack, a coisa reagia de formas diferentes, afetava partes do cérebro desconhecidas, nunca se sabia o ia acontecer com cada indivíduo, o que se podia observar com certeza, era que, quanto mais ignorante e com instintos violentos a pessoa tivesse, mais animalesca seria a forma desenvolvida da reação à droga. Na verdade isso é uma coisa que acontece com relação à qualquer droga ou mesmo com relação à bebida, as substâncias apenas fazem aflorar o que cada um tem dentro de si, a diferença básica é que o godsmack trazia a mudança física, que era o gancho que o  bispo precisava para mostrar ao povo o dedo do diabo, e provar que suas palavras eram verdadeiras, que o demônio estava andando pela terra e amealhando as almas perdidas, formando seu exército infernal para trazer enfim o inferno para cima e reinar.
Costumava expor as pessoas deformadas pelas alterações da droga na frente no palco de seus templos, durante os cultos, e dizia curar aquilo, com seu poder vindo dos céus, o que aquela gente incrédula nunca poderia imaginar, é que aquela alteração poderia ser momentânea, como Scott e os outros costumavam usar, era apenas uma questão de aprender a controlar os batimentos cardíacos e a respiração, manter o controle de certas funções corporais, para reverter a mudança ou criá-la, as vezes, um momento de raiva era suficiente para a explosão acontecer, o maldito bispo se aproveitava da ignorância para manter o medo  na mente das pessoas, e com suas palavras ia controlando a pessoas na frente do público maravilhado, que via, estupefato, aquela pessoa deformada ou endemoniada, voltando ao normal, recobrando  a consciência, e por conta da dor que sofreu por dias ou semanas, incapacitada de se manifestar ou de claramente dizer qualquer coisa, sem saber como estava voltando ao seu estado normal, considerava aquilo um milagre do santo bispo e de toda aquele circo armado.
Aquilo vinha se espalhando a largo,  o poder milagroso do santo bispo, ele livrava qualquer pessoa do domínio do demônio, era como estar vivendo na idade média, e ver que depois de tanto séculos e tanta evolução a ignorância humana continua exatamente quase no mesmo patamar daquela época, de nada adiantaram, tanta evolução na medicina, tecnologia e tudo mais,  o ser humano ainda é  uma criatura crédula, medrosa, apegada  ao medo, às crendices religiosas, e qualquer coisa que aconteça, que altere a normalidade dos acontecimentos, passa a ser considera uma coisa demoníaca, sempre será mais fácil atribuir a culpa de tudo na conta do diabo, o pobre coitado, sim o diabo é  um pobre coitado, que leva a culpa por todo o mal que o homem pratica, o diabo foi criado para que o homem pudesse passar sua culpa para alguém e alegar para si mesmo, que todo o mal, todos os atos hediondos que cometeu em vida, foram motivados, por uma força maior, que o obrigava  a fazer aquilo,  para justificar sua natureza malévola, para aliviar o peso da sua primitividade natural, que apesar de séculos e séculos de evolução da raça humana, o homem na terra ainda é um ser primata, cheio de instintos animais, que por força de religiões e outras convenções, é obrigado a esconder, e que por sua vez acabam se tornando, taras, psicoses, esquizofrenias , que são manipuladas por pessoas ainda piores como os bispos que usam e alimentam ainda mais o mal humano, transformando em culpa tudo o que cada ser carrega escondido dentro de si.
Era o que o asqueroso bispo fazia melhor em sua seita.




A batida na porta era de certa forma inesperada, as pessoas não costumavam aparecer na sua casa sem aviso prévio, era uma regra, aquilo o deixou, de certa forma alarmado.
Como estava fumando ali na sala mesmo, foi abrir com um certo sobressalto, e qual não foi sua surpresa ao ver a pessoa para diante na soleira.
-Imaginei que ia me procurar, mas não que apareceria aqui em pessoa. Era Eddie, sabia que ele estava lá por causa do desaparecimento de Penny, foi a atitude que mais relutou em tomar em toda a sua vida, procurar o homem que mais detestava, mas que era o único que poderia dar notícias, ou ao menos indicar o paradeiro dela, ou seus últimos passos.
-Eu se pudesse não estaria aqui, mas como deve saber, ela não retornou, e pelo que sei, não está aqui também, o irmão me procurou, foi atrás dela, então, se nem ele sabe onde ela está, é sinal de que algo aconteceu, e só você pode me dizer o que está acontecendo.
-Não é assim tão simples.
Eddie deu uma risada irônica.
-Claro que não é tão simples, essa merda toda que vocês vivem, toda a bagunça, o inferno que virou essa cidade, esse lixo que vocês usam, e agora, está sendo espalhado por todo lugar, as coisas que estão aparecendo por aí, um verdadeiro inferno!
-E obviamente a culpa de tudo isso é minha, e isso que você está me dizendo, não mesmo? eu que estou fazendo isso, criando as aberrações, fazendo a merda toda.
-Olha aqui, não vim ficar debatendo porra nenhuma com você preciso saber onde ela está, o que está acontecendo, eu quero que todo o resto se foda, se ela estiver em apuros, preciso saber entendeu?
-Veja, as coisas estão um pouco complicadas agora, e não vou hesitar em tirar você do caminho, preciso me concentrar e tomar providências com todo cuidado, ela está em perigo sim, em grave perigo, não posso precisar o que está acontecendo, não vou mentir pra você, mesmo porque, me agrada ver você sofrendo, me tirou ela, agora vem aqui e quer que eu preste contas, e de dê satisfação.
Eddie estava tão transtornado que não conseguia dizer nada, apenas olhava para Scott estupefato, sua raiva se acumulando, sua vontade era matá-lo ali mesmo, como ele podia dizer assim na sua cara, que ela estava em perigo, e continuar assim impassível? Como se não fosse nada? 
-Eu preciso que me diga exatamente o que está acontecendo. Sua raiva era tão intensa, que falava baixo, se explodisse agora, provavelmente Scott o pusesse pra fora a ponta pés, tentava manter o controle, apesar do desespero.
Scott, queria provocar, permaneceu frio, foi até um armário que tinha na cozinha, tirou dali uma caixinha metálica, Scott costumava deixar caixinhas como essa espalhada por todos os cômodos da casa, tirou seu pó, como sempre, preparou  seus tiros e aspirou, seus olhos assumiram o brilho feroz que a droga proporciona, a arrogância, que já era uma coisa natural, ficou mais estampada em seu rosto, fez sinal ao outro oferecendo a droga, ao que o Eddie, com raiva, recusou, Scott retomou a conversa.
-Já estou tomando minhas providências, fique tranquilo.
-Eu quero dessa vez, estar dentro da coisa.
-Você não pode, não conseguiria fazer o que tem que ser feito, vou mandar meus rapazes te levarem pra longe daqui por um tempo, assim que eu tiver notícias dela, peço pra buscarem você.
-Você não pode fazer isso cara.
-Posso, não posso colocar o brinquedinho da minha criança em risco, apesar de você ser como a gente...
Scott falou propositadamente, estava cansado de ver essa proteção, ia jogar Eddie no meio da fogueira, que se dane, não ia mais proteger essa cara, porque deveria? Para ficar vendo sua garota amando seu rival? E ainda por cima ficar protegendo para que nada acontecesse com ele? Não faria mais isso, ele que encarasse a realidade.
-O que você está dizendo? Que merda é essa agora? 
-Estou dizendo, que sua amada, não é assim tão sincera com você, que agiu pelas suas costas, que fez você ingerir nossa droga, e você tem aí dentro alguma coisa, nunca sofreu nenhuma alteração? Nunca teve nenhuma mudança, percepção ou qualquer coisa diferente no seu corpo?
Eddie já não escutava mais o que Scott estava falando, apenas sua cabeça estava repassando fatos ocorridos, coisas que haviam acontecido, ele tinha visões, seus instintos eram apurados, mas ele considerava tudo apenas coincidências, confusões, sonhos, nada que pudesse ser levado em conta, achava na maioria das vezes que eram puro instinto ou até mesmo imaginação.
-Não pode ser, ela...não faria...eu...
-Faria, como fez com o irmão quando quis fugir daqui, fez o irmão virar o monstro que é, aquele garoto completamente louco, é um monstro, e foi ela que fez ele ficar assim, o irmão que ela ama, e você, o amor da vida dela, falava isso com tom de desprezo, ela garantiu que você se tornasse forte e resistente, encare os fatos, ela é má, cruel, ela é tão monstruosa quanto, bem, quanto pode ser.
Eddie andava pela cozinha, eles nem tinham ido para outro lugar da casa, a conversa tinha se desenrolado ali mesmo, Scott, cheirava novamente, tinha tido sua vitória, conseguira, deixar seu rival, ali desesperado, sabia que não era o momento adequado, mas não teria outra chance como essa de atacar o homem que de certa forma tinha levado embora a única mulher a quem tinha dado real valor ou amor.
-Agora vá embora, preciso sair, as ruas estão um caos, preciso tomar providências, meus homens estão sendo mortos todos os dias, os fanáticos estão nas ruas atacando tudo e todos, pregando que o demônio está a solta, você não tem visto?
Eddie ainda não tinha aceitado tudo que fora dito, ainda não engolira as palavras cruéis, foi em direção a porta, sem dizer nada, andava sem parecer saber para onde estava indo.
Essa pequena vitória, tinha um gosto amargo para Scott, sabia que depois se voltaria contra ele, se as coisas acabassem bem.
-Achei que precisava saber, não era certo passar a vida achando que ela era sua princesa encantada, ela não é, ela é um bicho, como eu e os outros não adianta fingir que não vê.
Eddie continuou andando sem olhar pra trás, não queria mas ouvir.

Continuava caminhando, foi até seu carro, não tinha forças nem para abrir a porta do veículo, chorava, sua tristeza era pela fato de sua amada estar desaparecida, talvez morta, e agora pelo fato de saber, que ele tinha dentro de si o veneno, e que havia sido dado a ele pela mulher da sua vida, por seu amor, porque ela havia feito isso? Porque nunca tinha contado? Ele sabia que ela tinha todo um lado escuro na sua vida, ele podia ver com os olhos da mente, ele tentava não enxergar aquelas coisas, ele sabia da história dela com aquele cretino, e aceitava aquilo, sabia da estranha relação com irmão, mas sabia também que seu por  ele era verdadeiro, ela já tinha dado inúmeras provas de que o amava realmente, sabia que ela era uma mulher diferente estranha até, que tinha essas ligações com esses dois homens, que faziam parte da sua vida, até mesmo com Roberto,  ele aceitava tudo aquilo, ele entendia, que ela era uma pessoa diferente, e isso era a maravilha, ela não era uma dessas mulheres choramingas românticas, que precisam estar sempre ouvindo que são amadas, e ficam vigiando você, pra saber o que está fazendo e com quem, não ela era uma mulher que exercia um fascínio diferente, era louca, e calada, e nunca escondera sua relação com Scott, uma relação meio doentia, e seu irmão, uma coisa estranha e mais forte que tudo, ela aceitava as pessoas, sem questionar. e quando se conheceram, foi como se o mundo tivesse deixado de existir, Eddie nunca se esqueceria daquele dia, ela parecia frágil, perturbada, mas estava sentada quieta, sozinha, parecia estar tentando passar despercebida, mas ela era como um raio de sol ali, e ele precisou ajudar, iam levar ela, aqueles caras, ela olhava em desespero para os lados tentando uma maneira de escapar, quando Eddie se aproximou fingindo ser um amigo, aquilo fez com que os homens ficassem confusos, e Eddie aproveitou o momento e a tirou dali, a levando para um lugar movimentado, onde eles não poderiam agir sem chamar demais a atenção. Aquilo tudo girava em sua cabeça, que doía, sua raiva era tão imensa, entrou no carro, tentou manter o controle, enfim conseguiu ligar o carro e partir em direção à sua casa.

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