sexta-feira, 10 de abril de 2015

ME DEIXE MORRER EM SEATTLE

CAPÍTULO I


I


As sirenes tocando, chuva, confusão, o homem caído, ferido, sangue sendo lavado pelo céu, sentada no meio fio, olhando alheia, o cabelo escorrido no rosto, suja, cheia de arranhões, com frio, as pessoas falando ao seu redor.  Não conseguia ouvir nada só o tumulto, como se fosse um imenso zumbido atordoando ainda mais sua cabeça dolorida.
Viu erguerem o corpo na maca, ensopado de sangue e chuva, o que havia acontecido mesmo? A dor por todo corpo começando a aumentar por causa do frio, alguém estava falando diretamente com ela, não conseguia prestar atenção, o que tinha acontecido ali? Porque estavam levando aquele homem numa ambulância?
Os paramédicos estavam perguntando algo, ela não conseguia entender, apenas olhava para o homem que falava e não sabia porque eles estavam ali ou o que tinha acontecido, porque estavam ali? Era mesmo ele que ela estava vendo ali, deitado agora dentro da ambulância recebendo os primeiros socorros? Seu amigo.   
Curiosos passavam e paravam para observar, em meio à confusão de polícia e socorristas.
- Devia ser um sonho logo acordaria.
Algumas imagens apareciam em flashes na sua cabeça, gritos, pessoas correndo, tudo muito confuso, nada fazia sentido e logo tudo desaparecia e ela voltava e ver as pessoas ao seu redor falando, falando, e ela ali sem entender, sentia dores por todo o corpo, alguém colocou um cobertor em torno de seus ombros, tentavam levantá-la, ela queria perguntar para onde estavam indo porque ela estava ali, mas não conseguia falar, sentia tanta dor de cabeça, tinha sangue nas mãos.
Escuro.



Acordou em casa, Eddie sentado numa poltrona próximo a cama em que estava deitada.
-Ah! Acordou, o que foi aquilo tudo? O que aconteceu dessa vez?
-Onde ele está?
-No hospital, muito machucado, dentes arrancados, um dos olhos bastante prejudicado, e o pior de tudo, os cortes nos pulsos, foi um ataque violento.
-Eu nem consigo me lembrar das coisas direito... estou toda dolorida...eu apanhei também?
 -Porra, como eu vou saber? Só fui buscar você, voltou conversando comigo, não lembra?
 -Na verdade não... minha cabeça....
 -Acho que você tomou uns sopapos também, o que vocês estavam fazendo? Onde estavam indo? Aquela bicha provocou isso?
-Para de falar assim da Susy.
Na realidade o que ela tinha passado era muito maior do que sua mente podia   lembrar, talvez o medo e a dor tivessem bloqueado, tinham usado a droga, e os efeitos sempre eram uma surpresa, não queria se lembrar, todas as vezes era assim.
Depois de tanto tempo, o uso daquilo já era uma dolorosa e agoniante alteração, as reações psicológicas não eram o pior, a mutação física era a coisa mais difícil que aquilo causava e de uma certa forma, uma satisfação que não podia ser descrita.
Só que dessa vez houve um descuido dos dois, como ficaram sabendo quem eles eram, ou aquele confronto fora casual de bandidos comuns?
Seu corpo estava cheio de manchas roxas, tantas dores que mal podia se mexer, estava com algumas unhas quebradas, percebeu que tufos de cabelos haviam sido puxados, a cabeça parecia ter sido batida contra o chão diversas vezes, bem possível.
Eddie se aproximou dela com muita raiva e a segurou pelos braços.
-Mais que porra! Vocês nunca vão parar com essa loucura!Porque? Continuar isso, até quando? Já pensou o que vão fazer com você e se agora já sabem onde estamos, vai começar tudo outra vez....
 - Calma honey, vamos tomar mais cuidado agora.
-Agora? Porra, não viu o estado daquele viado? Viu o que fizeram com ele? Foi por pouco, por muito pouco dessa vez.
-Eu sei, na verdade não sei, não me lembro, não sei por que dessa vez não consigo lembrar.
-Talvez algum novo efeito dessa merda toda.
-Pode ser, quem sabe...Preciso dormir um pouco, pode deixar tudo escuro?
-Preciso sair, vou deixar você descansar, tente colocar sua cabeça no lugar querida, isso não pode continuar assim, as coisas vão sair do controle, pense nisso.
Ela o abraçou com carinho e o beijou com amor, mas pôde ver que seus lindos olhos azuis estavam mais tristes do que o normal, olhos, que eram pra ela um espelho profundo da alma daquele homem que ela amava tanto, que amava mais que tudo. Deixou que ele saísse.
Caiu em um sono sem sonhos, pesado e escuro como aquele quarto.
Quando acordou, já não tinha mais noção de tempo, Eddie estava ali, como sempre, ele sorria,
-Boa tarde querida!
Seu sorriso era tão encantador que ela não podia deixar de pensar com dor porque fazia tudo aquilo, porque não podia deixar toda aquela loucura de lado, e viver com seu amor apenas? A loucura fazia parte de seu amor, e ele sabia disso também, talvez ele a amasse toda essa loucura, e por terem vivido juntos antes coisas estranhas, não podiam mais cogitar uma separação de fato. Ela questionava se ele a amava realmente, ou se apenas estava acostumado a cuidar dela como um irmão mais velho, pensar nisso era doloroso, imaginar que seu amor era menor a fazia sofrer mais do que poderia aguentar. Seu amor por Eddie era intenso.
-Fiz café pra gente querida, está com fome?
-Estou morrendo de fome, quanto tempo eu dormi?
-Quase três dias.
-Tudo isso?! Nossa! Dessa vez esgotei tudo que tinha mesmo, disse isso com um sorriso desmotivado.
-Sim, você se arrisca sem necessidade.
-Você sabe que não é bem assim, sabe porque   me submeto a isso tudo.
-Sim eu sei, mas você acredita mesmo que vai conseguir continuar? Acha que ainda é necessário tudo isso, toda essa dor, ainda mais porque os maiores prejudicados são vocês?
-Sim, na verdade, fomos os maiores prejudicados e precisamos acabar com tudo isso, você não pode achar que eu poderia viver toda essa merda assim com essa lembrança me castigando, me diminuindo a cada vez, sabe que cada vez é mais dolorido e perigoso não sabe?
-Querida...
Por favor, não me peça para parar agora, depois de tudo… por favor...eu não posso, agora que conseguimos nos equilibrar com essa porra dessa droga...
-Equilibrar? Olha o que você passa cada vez que usa essa merda, toda essa dor, essa coisa horrorosa, você pode chamar de equilíbrio?
-De certa forma sim, evoluímos muito, não acha?
-Sim, mas a cada dia isso tudo fica pior, e os riscos aumentam e você se expõe, de forma desnecessária.
-Tudo o que faço é necessário amor. Os fanáticos estão por aí, a cada dia aumentando, como ratos.
-Ok. Vamos comer, deixemos esse assunto para depois então. Você está bem para descer?
-Sim, estou apenas com dor no corpo das pancadas eu acho, mas posso descer.
Desceram para fazer a refeição.
Comeram com apetite, ovos, suco de laranja, ele havia até comprado bolo de chocolate pra ela, que sabia ser seu preferido. Ela comeu com vontade, depois foi pra varanda da casa e acendeu um cigarro, fumou tranquilamente, como se sua vida fosse aquela coisa pacata e feliz daquele momento, queria que tudo se resumisse a apenas isso, que pudesse descansar sua cabeça no colo do seu amor e ficar em paz e que todas as dores e lembranças, que eram tão difíceis carregar sozinha sumissem para sempre
-Querido, pra onde levaram a Susy?
-Acho que foi pro Hospital Universitário porque, você está querendo ir lá?
-Claro, preciso vê-lo, saber direito o que aconteceu, ver como ele está, ver o que ele se lembra, quem eram aqueles caras, não sei, preciso saber por que queriam nos pegar, se eram quem estou pensando.
-Sim meu bem, vamos ao hospital, você quer tomar um banho? Se refazer   primeiro?
-Acho que estou num estado lastimável não é mesmo?
Os dois riram, porque realmente ela não estava com aspecto muito estimulante. Terminou seu cigarro, subiu e foi direto paro o chuveiro, para um banho quente demorado e relaxante, precisava muito disso.

No hospital ele já tinha acordado em sobressalto, as dores no corpo, as agulhas espetadas nos braços, o barulho das máquinas monitorando seu corpo o deixaram mais assustado ainda, estava sozinho numa enfermaria, ou UTI, não sabia o que era, seu verdadeiro nome era Roberto, mas por ser homossexual ao longo da sua vida recebeu os mais diversos apelidos e Susy era um dos mais usados, até mesmo por ele.
Sabia que precisava sair daquele hospital rapidamente, não podia deixar que fizessem exames mais profundos em seu sangue,  nem nada mais abrangente, que pudesse identificar alguma anomalia, começou a arrancar as agulhas, saltou da cama, derrubou o pequeno criado mudo que estava do lado da cama, o que o fez ficar mais assustado ainda, seu desespero era tamanho que começou a sentir as dores da metamorfose começando, não podia acontecer ali de forma alguma, o suor frio, a raiva violenta aflorando, podia sentir a pele repuxando, não podia acreditar que a coisa ia acontecer ali, não era possível, há quanto tempo estaria naquele lugar? Será que alguém sabia que ele estava nesse hospital, alguém estaria vigiando seu quarto? Ultimamente a cidade era perigosa para pessoas como ele, havia muita perseguição, e mortes contra os seus, ou mesmo contra as garotas e garotos das ruas.
Caiu no chão sentindo as dores comuns da transformação, de joelhos tentou manter o controle, passou a respirar lentamente, manter o fluxo sanguíneo mais lento, para tentar bloquear a coisa toda, precisava sair, onde estavam suas roupas?
-Meu Deus! Que ódio, minhas roupas, onde está a porra da minha roupa?
Falava entre dentes, tentando se controlar, achou suas roupas guardadas, num pequeno armário perto da porta do banheiro do quarto, vestiu-as rapidamente de qualquer jeito, abriu uma fresta da porta para ver qual era a situação do corredor do hospital, como era a movimentação de pessoas, fechou a porta novamente, procurou por janelas, viu que poderia sair pelas janelas, começou a abrir uma para ver se cediam facilmente, sim poderia sair por ali, mas e se o vissem saindo pelas janelas? Melhor pela porta mesmo, abriu a porta devagar, viu que a movimentação era pequena no corredor do hospital, tentou sair de maneira comum, disfarçando a dor que já conseguia controlar, caminhava devagar procurando uma saída, achou uma porta lateral com um segurança distraído com seu celular, passou por ele sem que ele erguesse os olhos para ver quem era.



Respirou aliviado, estava na rua, sabia que não poderiam achá-lo tão facilmente.
-Porque Penny não apareceu pra me buscar?  Bem, nem sei se apareceu ou não, só acordei agora, aqueles filhos da puta quase deram fim em mim, que bafon. Preciso ligar pra ela.



O casal foi em busca do amigo no hospital. Ao chegarem, foram informados que ele não estava mais no quarto, e ninguém sabia informar o que tinha acontecido, ela por sua vez, já sabia que ele havia fugido, um alívio, saber que ele acordara e percebera a necessidade de sair dali, para onde ele teria ido?
-Será que ele foi pra casa Eddie?
-Querida, vamos com calma, o melhor a fazer é voltarmos e esperar notícias, você sabe que ele vai fazer contato.
-Sim, vamos voltar, estou preocupada.
Pegaram o carro, quando ela estava entrando no carro sentiu que estava sendo observada, havia um sujeito do outro lado da rua, um tipo sinistro, careca, grandalhão, ela sabia que já o havia visto, onde mesmo? Tratou de entrar rapidamente no carro. Imagens antigas surgiram rapidamente causando arrepios, momentos que ela gostaria de não se lembrar nunca mais.
-Vamos embora logo, estou agitada demais pra ficar   aqui.
-Hey! Calma mulher! o que é isso!
-Desculpe, apenas vamos embora. A cada dia esse lugar fica mais estranho não acha?
-Entre no carro, vamos pra casa.
-Eddie, você acha que eram as caras da igreja? Os mesmo das outras vezes?
-Pode ser, pelo que sei essa religião deles já está instalada aqui na cidade há algum tempo.
-Será que vieram atrás de nós de novo?
-Provavelmente, isso nunca vai ter fim, sabe que quem criou essa confusão não se preocupa nem um pouco em arrumar as coisas.
-Não é bem assim, as coisas não são tão simples.
-Bem, você sempre vai ser parcial no que se refere a ele não é mesmo?
Eddie disse isso com uma ponta de raiva e ciúme.
-A questão não é essa, não é simplesmente culpa de alguém, foi uma coisa que aconteceu entre eles, e depois aquele outro começou tudo isso... essa loucura toda...uma guerra.
-Está certo, não vamos discutir isso, porque nunca vamos ter a mesma visão, é impossível para mim.
-Querido, chega, eu preciso de notícias da Susy.



Roberto tentava se locomover pelas ruas mais vazias, sabia que sua aparência chamava a atenção, seu rosto estava cheio de equimoses, inchado, tentava passar despercebido, não era fácil, começou a buscar as ruas periféricas, onde as pessoas costumam não olhar duas vezes para tipos estranhos por medo de serem reconhecidas.   
Agradecia o frio e a chuva que era constante naquela cidade, podia se enrolar num cachecol que havia achado no hospital e “pegara emprestado", isso ajudava a esconder melhor seu rosto, ainda faltavam algumas horas para escurecer, a noite seria mais fácil caminhar sem ser visto, precisava saber se ela o havia procurado, ou mesmo se estava viva, não se lembrava do que tinham feito com ela, apanhou tanto, eram três batendo nele, se não estava enganado. Tentando desviar a atenção daqueles caras da sua amiga, o que eles não fariam com ela se a pegassem e conseguissem leva-la? Será que conseguiram?
-Preciso encontrar essa racha, preciso telefonar pra ela ou pro bofe. Começou a procurar um telefone público, seu celular não estava com suas coisas quando fugiu do hospital.
Achou um telefone público, discou, esperou vários toques, ninguém atendeu. Desespero.
-Caralho! Se pegaram ela, vão forçar, vão machucar pra valer, vai ser pior do que antes, espero que ela tenha se saído melhor do que eu.



-Amor, me dá teu celular, esqueci o meu em casa.
Ele procurou nos bolsos da jaqueta de couro.
-Puta merda gata, não trouxe o meu também.
-Caralho Eddie, vamos pra casa logo, se a Susy estiver tentando se comunicar com a gente ela vai ficar preocupada sem saber o que tá acontecendo, ele deve estar tentando ligar no celular.
-Calma, estamos chegando.
-Ok.
O nervosismo era tão intenso que o casal não conseguia conversar, ele dirigia nervosamente, ela fumava um cigarro quase esmagando o filtro entre os dedos sem perceber, suas mãos tremiam. Chegaram em casa Eddie estacionou de qualquer jeito o carro, entraram quase correndo, quando Eddie estava destrancando a porta pôde perceber um sombra nas árvores, havia alguém ali, porém não fez nenhum comentário para não alarmá-la ainda mais.
-Tranca bem essa porta querido, por favor, deixa tudo bem trancado, você pode conferir as janelas lá de cima?
- Claro, fique tranquila, ok? Está tudo bem fechado, cuidei de tudo antes de sairmos, mas vou verificar de novo.
- Cadê meu celular, onde está...
Ela achou o aparelho na cozinha no balcão perto do fogão, havia cinco chamadas de um número que ela não conhecia.
- Deve ser um número de telefone público, deve ser a Susy.
Procurou o telefone dele, estava jogado por ali também, mais outra quantidade de chamadas, outro número.
- Ele deve estar ligando de lugares diferentes para não ficar muito tempo parado, e agora, e agora? Ai Susy, me dá um sinal de novo por favor!
- Está tudo fechado, devidamente trancado, pode ficar sossegada meu bem.
- Obrigada querido, ela o abraçou, com medo, o conforto do corpo dele era um grande alívio para ela, todas as vezes que ela sofria aquelas transformações, tudo era tão dolorido e penoso, todas às vezes, quando a coisa terminava, seu único refúgio eram  os braços do seu amor, a força do seu carinho, suficiente pra fazer com  que ela recobrasse o controle.
- Obrigado meu amor, obrigada de verdade por ainda estar aqui comigo, confesso que dessa vez estou com medo, como nunca senti antes, vi um homem nos observando quando estávamos saindo do hospital, sei que o conheço, já o vi antes, ele me olhava direto nos olhos, apesar de estar de óculos escuros, muito sinistro, eles estão perto querido, muito perto...
- Hey, calma, calma, pode ter sido uma confusão você está nervosa com medo. Ele sabia que ela tinha razão, ele ainda podia ver o cara entre as árvores lá fora.
A noite foi chegando, as notícias não, ela estava inquieta, andava de um lado pro outro, procurando algo com que se distrair, mas nada realmente absorvia sua atenção, pegou um cigarro, foi pra cozinha, costumava fumar na copa quando estava muito frio pra fumar na varanda, acendeu nervosamente o cigarro, o tremor nas mãos era constante, ela já havia percebido, achava que era por conta do nervosismo, mas era uma reação física constante de uns dias pra cá, pegou uma dose de uísque, pra ver se conseguia ao menos aliviar o tremor.
- Você não devia beber querida, devia procurar usar menos drogas.
- Sei disso, mas sei também que nunca fui uma freira, e preciso relaxar um pouco, quero ver se essa porcaria me ajuda.
- Ok, venha amor, sente-se comigo na sala, você pode fumar por lá mesmo, deu um de seus melhores sorrisos pra quebrar aquela tensão, ao que tudo indicava funcionou.
- Minhas mãos não param de tremer, será um efeito de toda essa merda?
- Provavelmente, você sabe que as consequências são desconhecidas, sabe o preço que está pagando.
- Sei, vendemos nossas almas não é mesmo? Ou melhor, ela me foi sequestrada.
- E agora não existe outro caminho existe?
- Não, agora não há mais outro caminho.
Temos que continuar, a coisa saiu do controle por causa daqueles malditos religiosos, eles estão envenenando as pessoas, tentando fazer o tempo das barbáries voltar, querem dominar pelo medo, querem usar o poder “divino”, pra controlar a massa o medo, claro, sempre é a melhor forma de controlar, ele estão transformando as pessoas em criaturas violentas, temos que tentar eliminar esses filhos da puta.
- Desculpe meu bem, ele a abraçou, mas é tudo tão dolorido, tanto sofrimento...eu não entendo...essa luta doentia, tudo isso...me desculpe. Ele girou nos calcanhares e subiu para o quarto deixando ela sozinha na sala, que parecia fria agora, isolada, ela olhava ao redor e sentia o gelo, o tremor aumentando dentro do seu corpo, a vontade de chorar e nunca mais parar, pegou outro cigarro, sabia que seu corpo estava sofrendo uma destruição desenfreada, um cigarro a mais, não faria a menor diferença mesmo.



Roberto por fim chegara para os lados do famoso bairro conhecido por ser área de prostituição, onde conhecia as pessoas que o receberiam, tinham tudo pronto pra ele sempre. Eram travestis que trabalhavam por ninharias, na maioria das vezes faziam sexo em troca de um punhado de “farinha” para cheirar, e faziam isso a noite inteira, cada vez que o pó acabava, saiam em busca de um outro cliente disposto a lhes dar qualquer coisa em troca de um trocado ou um pouco de pó.
- E aí bicha, o que fizeram com a senhora? Acabaram com o rostinho da bonita, que de bonita não tem nada, o grupo ria, a convivência entre as travestis era cruel, porque viviam em concorrência, na busca de clientes, mas na verdade, eram uma família, que acabavam se apoiando a seu modo.
- Olha viado, preciso ficar aqui, me pegaram de jeito mesmo, não posso sair por aí dando o ar da minha graça.
Roberto precisava fazer parecer para o grupo de travestis, que havia apanhado de um grupo de homens que estavam fazendo sexo com ele e usando drogas, os travestis não sabiam direito o que acontecia, mesmo porque elas estariam em perigo real se soubessem de algo mais e ele não queria colocá-las em risco, eram pobres coitados, que se arrastavam na vida, dependendo do pó se submetendo a violências sexuais para conseguir doses diárias de drogas, era assim que levavam a vida, nada além disso, não ofereciam perigo.
- Olha Bi, a gente vai sair pra atender uns bofes na avenida, você fica aqui, tem pó se quiser, tem vinho pra senhora se perturbar o quanto quiser, fica à vontade.
- Obrigada Margot, a senhora arrasa, trocaram beijos afetuosos, as travestis saíram, montadas em suas roupas espalhafatosas de prostitutas baratas, nem homens nem mulheres.
Roberto ficou ali sozinho, estava numa  casa velha grande e destruída, um tipo de ruína antiga, com vários cômodos vazios e imundos, apenas alguns espaços eram ocupados, havia uma televisão, uma cama de casal, com um colchão que fedia a suor e mofo, abriu o pequeno armário perto da pia e achou uma caixinha onde sua amiga travesti havia indicado onde ficava o pó, pegou a caixa, esticou duas carreiras na mesinha perto da cama, cheirou as duas com um canudo cortado, encheu um copo com aquele vinho barato, começou a procurar cigarros de forma agitada, não poderia ficar sem cigarros agora, mas não podia sair pra conseguir alguns, achou um pacote no mesmo armarinho, que bom! Acendeu na boca do fogão, ainda não tinha visto o isqueiro.
O veneno agora circulava nas suas veias o deixando agitado e petrificado, só conseguia fumar e sentir a agitação química de seu corpo, a droga reagia de forma violenta, era mais perigosa. Deixou a tv sintonizada num canal de clips musicais, estava passando um show de rock, podia se deitar deixar a coisa toda circulando no sangue, mais e mais, a cada novo tiro dado.

A noite correu normalmente, apesar da tensão, ela acabou dormindo, sono agitado, conseguiu descansar. Acordou ainda era de madrugada, seu amor dormia tranquilamente, o sono dos puros, daqueles que são iluminados ou anjos, como ela o amava!
Levantou delicadamente da cama para não acordá-lo desceu as escadas, a casa estava toda escura exceto pelo corredor central, que ela gostava de manter aceso para orientação noturna, como gostava de dizer. Andando agora pela casa, percebeu que não tinha visto seus gatos ainda, onde estariam?
Foi até a sala, ficou parada um tempo no meio daquele cômodo enorme sem coragem de se mexer, sentia certa opressão vinda das janelas, queria olhar lá fora, mas não tinha coragem, tinha medo de ver alguém vigiando a casa. O frio intenso da estação a deixava deprimida, ouvia a chuva que caía constante, começou a se aproximar da janela, melhor não olhar.
Sentou-se naquele grande sofá aconchegante que ela escolhera para completar a decoração daquela casa que amava, a primeira casa onde era feliz de verdade, onde podia viver com seu amor, sem que tivesse alguém morando junto, amava aquele lugar, procurou seus cigarros, viu sua caixinha mágica, sim , vamos a ele então, sua caixinha mágica era onde guardava seu fumo, preparou seu baseado, essa coisa tinha um poder incrível de controlar e abrir sua mente, costumava usar quando precisava ir além, em outras ocasiões como esse noite, seria apenas para relaxar mesmo, deixar a substância correr no seu sangue com seu maravilhoso efeito calmante inebriante, que delícia,  ela sempre gostou disso.
Foi uma das poucas coisas que ela trouxe consigo de seu velho país, de onde tinha precisado partir depois que Scott havia aparecido, suas lembranças daquela terra eram confusas e divergentes, sentia ódio e alegria daqueles tempos, de sua infância bizarra e angustiante, depois uma adolescência controversa e rebelde, onde tudo começou,  as lembranças chegaram de novo,  queria entrar agora no sono mágico, sim, o sono delicioso que o baseado proporciona….vou partir pra onde ninguém pode me achar agora, se aconchegou naquele sofá mesmo, tinha sempre um cobertor por ali nessa época, vamos querida, é hora de partir, precisamos conversar agora, era a voz que ela queria ouvir, que estava esperando tanto, sim vamos embora…..caiu no sono profundo.


Roberto resolveu que ficaria por ali, era afastado  e tranquilo, faria contato sim mas precisava dar um tempo, precisava ver também o que estava acontecendo, sabia que o fluxo de manipulação de gente ocorria mais em zonas pobres e afastadas, em países de terceiro mundo principalmente, mas ali, naquela cidade que havia demorado tanto pra aprender a gostar e entender, já tinha observado que havia mutações, a involução ocorria ali ele sabia, precisava de informações, ia dar um giro, falar com as travestis, as putas das ruas, os traficas, e ver o que rolava, conhecia todos, ali era seu ambiente natural, tinha vindo de um lugar parecido com aquele no Brasil, invariavelmente se dirigia  para lá quando precisava se esconder ou conseguir informação, era seu lugar favorito, gostava de verdade de ver essa coisa do submundo. As pessoas nunca entendiam quando ele falava o quanto amava ver tudo aquilo, a miséria, a pobreza, a violência, ele amava aquilo, para ele era a vida real, era o que movia sua vontade, gostava de ficar ali dias, se drogar, arrumar uns caras e fazer sexo, com um, ou dois, e esquecer o que o esperava, ficar naquela proteção imunda.
Sua amiga fora a única pessoa que aceitara sem questionar, no começo ela evitava aparecer com ele nesses lugares, dizia que a fazia  lembrar demais do Brasil, depois ela  costumava ir com ele para lá e faziam aquelas festas imundas, passavam dias se drogando, fumando, bebendo, ela não fazia sexo com ninguém, nesse ponto Penny era muito seletiva, gostava de homens loucos e deliciosos, isso ele tinha que admitir, ela sempre teve os melhores, mas depois do Eddie, ela passou a não pensar mais nisso, sua loucura se expressava em tudo que não envolvesse sexo, ele achava que sua amiga era mais louca do que ele nesse ponto.
- Então meu querido! Quanto tempo.  Roberto se dirigia a um rapaz de aspecto violento, um traficante que era conhecido seu, Roberto costumava fazer favores sexuais para ele em troca de drogas, às vezes em troca de nada mesmo, ele gostava de sexo sem trocas.
- Me diga, tem aparecido gente estranha por aqui?
-Não, não tem, vê se não me traz confusão pra cá filho da puta.
-Calma Johnny, eu não trago ninguém aqui você sabe, só aquela minha amiga.
-Sei, aquela delícia, por anda ela? Queria pegar aquela loira e dar uma trepada com ela. Quebra essa pro seu parça aqui hein viado, depois eu como você.
-Meu amor, aquela racha não é dessas, ela tem as loucuras dela, mas com bofe, ela só tem os dela, nem sonha meu bem, o negócio dela aqui e só “pertubação”, ela vem aqui porque aqui ninguém acha ela.
-Sei, mas se eu pegasse ela, fodia gostoso, tenho tesão quando vejo ela aqui, uma hora cato ela num canto a força, haha.
-Te garanto que você vai se arrepender se fizer isso Johnny. Ele ria, só de imaginar o que ela poderia fazer com esse traficantezinho de merda se fizesse a mutação na frente dele enquanto ele tentava estuprá-la, seria engraçado de ver.
-Johnny, aquele nosso trato, se aparecerem por aqui uns caras diferentes, vocês precisam me avisar ou avisar a loira, entenderam?
-Entendi sim, a gostosa já mandou a grana, além de gostosa é rica, um dia vou pegar ela pra uma brincadeira.
-Esquece isso cara, essa mulher nunca vai ser sua, que porra é essa.
-Fica frio viado, não vou mexer com a sua amiguinha, por enquanto, tenho uma tara por ela, mas se eu resolver, que vou querer ela de verdade, ninguém vai me impedir.
-Ah sim, você quem sabe, mas ela mesma poderá responder isso se resolver atacar, meu querido.
Roberto já se virava dando as costas ao tal traficante, porém foi parado pelo mesmo:
-O que você tá querendo dizer com isso sua bicha de merda?
Roberto meneou a cabeça de forma irônica e arrogante.
-Solta meu braço, seu bosta, já sentia a adrenalina se alterando no sangue, a pulsação aumentando, o rapaz pareceu  ter percebido alguma alteração em Roberto, porque começou a afrouxar o aperto no braço a relutar em ficar tão próximo assim daquele gay tão estranho, essa era a verdade, Johnny sempre achara esse viado muito estranho, desde o primeiro dia que tinha aparecido, não era como os outros que circulavam ou viviam por ali, esse era um tipo mais reservado, calado, agressivo até, era mais esperto que os outros, não ficava pelas ruas fazendo programas baratos por drogas.
Ele chegava de vez em quando, buscava o lugar de sempre para ficar e usar suas drogas, e era muita droga, isso ele sabia, arrumava uns garotos pra se divertir, ele mesmo costumava deixar a bicha chupar seu pau, era bom. Mas quando a bicha vinha com aquela amiga, puxa vida, o mundo parava, quem era aquela mulher? Até hoje ele não sabia, ela mandava grana para eles, muita grana, para que protegessem seu amigo e ela mesma, não sabia nada sobre ela, só que vinha pro bairro, se enfiava naquela casa, ficava dias também, diziam que ela ficava se drogando juntos com os viados, ele nem podia imaginar isso, aquela princesa, tão séria, calada, sempre meio escondida, falava apenas com algumas pessoas, diziam que ela era louquíssima, Johnny não podia acreditar, queria ela, sempre quis desde o primeiro dia.
-Um dia princesa…um dia…
-Ok, cara. Roberto cortou seus pensamentos, eu preciso ficar mais uns dias por aqui, ainda não posso sair, me arruma mais pó, deixa lá na casa, sabe que já tá incluso no pacote de pagamento, não sabe?
-Sei sim, seu pó daqui a pouco tá lá.
-Obrigada querido, se quiser pode passar lá depois também faço um boquete gostoso em você.
-Talvez.
Agora quem se virou e foi embora foi o traficante, Roberto resolveu voltar para a casa, precisava ligar pra ela. Foi andando, na verdade quase correndo, sentia-se sendo observado, talvez não, talvez fossem os olheiros das ruas. Chegou, achou o telefone que tinha pedido pra ser comprado, começou a discar.
-Atende racha, ele resmungava, enquanto ouvia o sinal de chamar do aparelho, atenderam.
-Alô.
-Gata!
-Susy! Era um grito de alívio. Não acredito! Que bom, eu tava te esperando, porque demorou tanto, você não sabe como e estava desesperada? Caralho! Porque você não me ligou antes, que porra!
-Epa! Que porra é essa? Deixa eu falar caralho!
-Desculpe, eu tô desesperada esperando seu contato.
-Eu sei, deixa eu falar, tô aqui, você sabe, desde o dia que saí daquela paura de hospital, fugi de lá, fiquei com medo de alguém aparecer, quem eram eles? Você sabe? A gente precisa falar sobre eles, tô aqui desde aquele dia, me “pertubando” tô louca, nem sei como tô viva ainda, a senhora vai vir? Vai precisar passar uns dias aqui comigo, não vai dar pra chegar e sair no mesmo dia, é arriscado.
-Vou, sim, vou te encontrar aí, hoje mesmo, mais tarde, vou pedir pro Eddie me deixar perto, você vai precisar mandar as travestis me pegarem no lugar de sempre ok?
-Claro bebê, como sempre, já abasteci o casebre de “pertubação” a senhora vai sumir do radar por uns dias, avisa seu bofe que vai demorar.
-Ele já tá acostumado.
-Arrasô, até depois então.
Ela se sentiu subitamente tensa, imaginando que teria que dizer ao seu amor que teria que deixá-lo por vários dias. Ele sabia que isso acontecia, ela já havia feito isso inúmeras vezes, estava angustiada em deixá-lo, precisava. Bem, que fosse.
-Querido, a Suyi acabou de me ligar.
-Ah finalmente, onde ele está?
-Onde sempre está, no gueto, irei pra lá essa noite.
-Por que? É realmente necessário?
-Preciso, depois de tudo aquilo, preciso falar com ele, precisamos analisar e ver o que faremos, e isso não pode ser feito aqui.
-E como vai ser?
-Querido, como temos feito todas as vezes
-Ok, você vai ficar fora por quanto tempo?
O olhar que ele lançou a ela quando fez essa pergunta era tão triste e cansado que ela quase chorou.
-Não sei, dias, talvez uma semana.
Ah, como detesto tudo isso! Eddie se levantou da poltrona que estava sentado, andava pela sala, passando as mãos pelos cabelos, tão sedutor, aquele simples gesto, ela quase desistiu de tudo, só de olhar, mas não podia.
-Amor, olhe pra mim, ela estava ao seu lado agora, tentando olhá-lo direto nos olhos, a única maneira que conhecia de deixá-lo seguro, era falando diretamente com os olhos.
-Escute, preciso, você sabe, preciso ver a Susy, e decidir o que faremos agora que nos acharam de novo, agora a coisa se complica mais uma vez entende?
-Sim eu sei disso querida, mas tenho medo, por você.
-Meu amor.Disse isso abraçando com carinho.
- Sou mais perigosa que todos eles juntos, sabe disso. Ele deu um sorriso sem ânimo,
-Sim, sei disso, mas ainda assim, é minha garota.
-Fique tranquilo, lá estamos mais seguro que em qualquer lugar desse mundo, toda aquela bandidagem nos protege no final das contas.
-O que não deixa de ser uma ironia, não é mesmo?
-Sim pode ser, mas faz tempo que deixei de pensar sobre a ironia da vida, vou subir tomar um banho, pegar o preciso, você me leva depois, no lugar de sempre?
-Espero aqui.
Ela subiu, sua cabeça rodava, e agora, o que ia fazer? Pra onde iriam, será que teriam que deixar aquele lugar? Tomou banho tentando aproveitar o calor da água e não pensar em nada, apenas sentir o conforto do momento.
Saíram de casa de forma descontraída, ela não carregava nada que pudesse indicar uma viagem ou demora em retornar, quem visse diria que estavam indo jantar fora.
-Como sempre, vamos ao mercado, vou ao banheiro, o mesmo esquema, as travestis estarão me esperando.
-Está certo.
Já no mercado, não podiam se despedir da forma que gostariam, ela apenas olhava para ele, lágrimas escorriam daqueles olhos que ela tanto amava, seu coração disparou, uma dor horrível enquanto virava as costas e o deixava sem olhar pra trás como se fosse apenas um momento.
Do lado de fora, um carro esperava, ela já o conhecia, entrou.
-Olá meninas, eram dois rapazes, vestidos de forma sóbria e elegante, os dois eram bem bonitos, com ares de diversão.
-Oi racha, você demorou, já estávamos ficando bege com sua demora, achando que alguma coisa tinha dado errado.
-Não, apenas não conseguia me separar do Eddie… difícil demais.
-Ai toda vez é isso, relaxa, vamos embora, a senhora vai ficar tão louca agora que nem vai se lembrar dele. Eles riam, tentando distraí-la daquela situação que sempre era tensa para todos. Eles eram travestis, que sempre ajudavam ela e Roberto, sabiam dos riscos, e justamente por isso gostavam tanto de fazer tudo aquilo, fora a grana que rolava, com certeza, sempre tinha muito dinheiro em movimento e muita droga. Ela sabia muito bem manipular tudo e todos ao seu redor. Meu Deus! Como posso fazer isso com todas essas pessoas? Costumava pensar isso em certos momentos, que se fôda, agora é tarde pra pensar nisso.
-Vamos crianças, vamos brincar, com brincadeiras de adultos, ela ria, mas na verdade queria apenas se entorpecer para não pensar em Eddie, era só isso que sentia, dor. A dor de lembrar daqueles olhos no mercado, implorando de forma muda para que ela não o deixasse de novo.
Chegaram onde Roberto os esperava, o lugar parecia até ligeiramente arrumado, fedia menos que ela podia se lembrar, as coisas estavam menos sujas. Roberto percebeu que sua amiga olhava ao redor reparando nisso, e enquanto se dirigia a ela para o abraço tão esperado, disse:
-Arrumei um pouco, pra você não se sentir tão mal, e a abraçou com força, quase chorando de desespero.
-Susy! Meu querido, eu precisava tanto ver você, saber como estava, porque demorou tanto pra fazer contato?
Ela ainda não conseguia largar seu amigo, como se assim garantisse que ele não sairia de perto dela nunca mais.
-Gata, quando saí do hospital, estava toda quebrada, uma coisa horrorosa de se ver, tiver que vir me escondendo, pra não chamar atenção, olha pra mim, ainda estou toda roxa, ele mostrava o rosto machucado para sua amiga, dentes quebrados, os olhos inchados.
-Vamos precisar arrumar essa sua cara meu bem.
-Sim vamos, mas depois falaremos sobre tudo, agora temos nossas amigas aqui, vamos fazer uma pequena festa de comemoração, não é mesmo meninas?
-Claro! Responderam os dois travestis em uníssono, estavam todos ansiosos para começar.
Roberto foi até o armário, pegou uma caixinha de madeira muito bonita entalhada, dentro dela havia um saquinho com pó, numa quantidade suficiente para dias de consumo, ele começou a esticar várias carreiras brancas numa bandeja de vidro que tinha comprado para isso especificamente, todos começaram a ficar agitados antes mesmo de começar a aspirar aquele veneno, cada um tinha para si um canudo cortado, para personalizar o uso da substância. Ela foi a última, todos já estavam com cigarros acesos, copos de vinho nas mãos falando sobre tudo e nada, ela olhava, para aquela linha branca esticada, e parecia indecisa,
-O que foi, não quer?
-Não é isso, estava só pensando, se abaixou e de uma só vez aspirou tudo, ao erguer a cabeça, seu olhar já havia adquirido um brilho feroz, já havia esquecido seu amor, agora era aquela criatura má de verdade, não precisava se controlar.
-Um cigarro.
-Aqui, sua taça de vinho, o mais estranho de toda a cena, naquela ruína miserável, que apesar de ser um lugar espaçoso, extremamente pobre, ela havia mandado que comprassem, taças de cristal, algumas bandejas de vidro, pequenas coisas que ela gostava de usar mesmo quando sua mente fosse projetada para outro lugar. Fumava seu cigarro de forma desconectada, na verdade ainda não estava pensando em nada.
-Faz outro pra mim.
-Pra todas nós querida.
Todos seguiram em uma nova rodada de pó.
-Como estão as coisas por aqui?
-Por aqui tudo bem, já sondei tudo, falei com quem precisava, tá tudo certo, eles não nos acharam aqui, não conhecem esse lugar, fica tranquila.
-Espero que sim, puxa, desde aquele dia, não tenho mais um segundo de paz, não consigo dormir, o que aconteceu? Eu não lembro, depois que eles cercaram a gente, eu não me lembro de mais nada, só depois quando estavam levando você pra ambulância, aquela confusão.
-Mais um tiro?
-Sim
-Bem, nem eu sei dizer exatamente o que aconteceu, apanhei tanto daqueles filhos da puta, se a polícia não tivesse aparecido do nada, nem sei.
-Bom, agora não vamos poder conversar muito mesmo, com nossas visitas, elas estão nos chamando, vamos.
Foram ao encontro dos outros dois travestis no outro cômodo da casa, começaram conversas inexpressivas, na maioria sem sentido, todos completamente afetados pela droga, todos com aquele brilho grotesco nos olhos.
-Bicha, preciso fazer sexo, a senhora sabe como fico quando estou “pertubada”, vou embora “caçar um bofe”.
-Eu vou com a senhora, também tô querendo, aliás está na hora da gente trabalhar não é mesmo queridinha?
O outro travesti começou a pegar seus casacos e ajuntar suas coisas para irem embora.
-Meninas, obrigada mais uma vez.
-Pode contar com a gente, a senhora é um escândalo, elas riam nervosamente.
-Separa um pouco do pó pra elas levarem.
 Já está com elas.
-Ah, ok.
-Até logo queridas, despediram-se com beijos rápidos, movimentos duros, e sorrisos forçados por causa dos efeitos químicos da droga.
-Ainda bem que elas se foram, preciso que você chame ele aqui.
-A senhora está falando sério? E o seu amado Eddie?
-Uma coisa não tem nada a ver com a outra, o Eddie não faz parte disso, você sabe que “ele” faz parte da nossa vida e de que forma, preciso.
-Sim eu sei, ele deve chegar logo, eu já sabia que ia me pedir isso, eu vou sair arranjei dois bofinhos pra atender, vou “fazer” os dois. Nisso ouviu-se uma batida na porta.
Ela sentiu o coração pular desenfreado, era Scott, aquele era um monstro como ela, que vivia há mais tempo do que ela como um monstro, um homem maravilhoso, fisicamente tão sexy, com um corpo tão deliciosamente perfeito, cheio de tatuagens, olhar feroz, comportamento tão feroz quanto seus olhos, com uma voz rouca e sedutora, ele era tão poderoso e mau quanto ela, e ela precisava dele tanto quanto ele dela, ele era seu criador, por assim dizer, dela de Roberto e de seu irmão.
-Olá Scott.
-Olá, ele se aproximava dela e já a segurava pela cintura, enquanto puxava seus cabelos com força a beijando, aquilo a deixava enlouquecida, ele era violento, e isso ela adorava, ficava completamente submissa, ele sabia que era assim que ela gostava. Depois de beijá-la com força e deixá-la acesa pronta pra pular em cima dele, ele a largou, foi até a mesa, esticou, quatro tiros de cocaína, aspirou dois, ofereceu a ela, o que ela aceitou, voltou a beijá-la, já tirando suas roupas, ela estava pronta.
Scott enfiava a mão entre suas pernas e sentiu que ela estava completamente molhada, deu um sorriso cínico,
-Pronta, como eu gosto.
Ela não conseguia falar, tamanha a excitação que a estava dominando.
Ele a atirou no colchão, terminando de arrancar sua calcinha, e começou a esfregá-la, ela quase gritava de prazer, e via ele abrindo as calças, já sem camisa, aquele corpo perfeito, seus rosto mau a enlouqueciam, Scott a virou com força de costas, abrindo muito suas pernas e a penetrou violentamente, ela gritou, ele gemeu, assim que gostava, e continuava penetrando com força cada vez maior, ela achava que ia morrer ali, por fim ele diminuiu um pouco o ritmo, saiu de dentro dela, levantou, foi a até a mesma e retornou com a bandeja de pó, esticou várias carreiras da droga, e deixou na cama, voltando a agarrá-la com força, ela estava de quatro na cama, ele forçava sua cabeça contra a cama a esmagando.
-Cheira, cadela.
Scott a puxava pelo cabelo, ainda dentro dela, penetrando sem parar a forçava a cheirar o pó, aquilo era bom demais, ela sentia que ia arrebentar de tanto prazer, a violência de Scott era assustadora, e ela adorava aquilo, nunca sabia o que esperar.
-Cheira mais uma, vamos, cheira.
Sendo penetrada com força, ele esticava o pó nas suas costas e cheirava no corpo dela sem tirar seu pau de dentro, ela ia enlouquecer, como aquilo tudo era bom, por fim ele a obrigava a chupá-lo até que gozasse na sua boca e a obrigava a engolir tudo, ela quase desmaiava depois, nunca ninguém conseguia fazer nada parecido com isso, ela era viciada nessa violência.
Scott saiu da cama, vestiu suas calças, de forma sexy e distraída, foi até a mesa, preparou mais carreiras de pó, aspirou mais duas, levou a bandeja até o colchão imundo onde ela ainda estava estirada, exausta  e violada, deliciada com a violência daquele homem brutal e lindo, ele praticamente a obrigou a cheirar o pó, ela o obedecia cegamente, sempre era assim, se ele a obrigasse a rastejar pelo chão para lamber seus sapatos ela o faria, sem pensar, o prazer que ela sentia em se submeter a ele era inexplicável, e ele tinha pleno domínio desse fato, por isso sempre agia de forma brutal e dominadora, ele gostava disso, dominar as pessoas era uma arte que ele realizava muito bem.
Scott, não se limitava a gêneros, ele apreciava a beleza, o poder de dominar as criaturas, gostava de homens e mulheres, mas ela, há séculos era sua criatura especial, protegida, aquela que ele esmagaria se pudesse, porque da mesma forma que gostava de machucá-la, gostava mais ainda de ver o prazer que ela sentia estando com ele.
-Então garota, ele acendia um cigarro, ele era quase obsceno fazendo isso, ela já sentia vontade de trepar com ele de novo.
-O que ocorre, hora de fugir outra vez? Problemas? E aquele seu brinquedinho bonitinho? Quando você vai me emprestar ele um pouco?
-Pare com isso, você jamais vai encostar seus dedos nele, se referiam a Eddie, sabe disso.
-Sei, sim, ele sorria arrogante, ele é seu brinquedinho particular, eu faria um estrago com ele.
-Pare de falar dele! Ela estava irritada de verdade, não podia aceitar que Scott se referisse ao seu amor assim de forma tão vulgar, o que ela vivia com ele nada tinha a ver com esse lixo todo, ele na realidade nem poderia imaginar ou sonhar o que realmente ocorria, toda a violência, todas as drogas, o sexo, as misturas, as mutações, ele fazia apenas uma ideia superficial das coisas, mas jamais presenciara essa parte, jamais.
-Esqueça ele, meu assunto com você é outro, nunca mais toque no nome dele.
-Eu sei delícia, ele a puxou pelos cabelos com força, aquilo bastou para deixá-la completamente excitada, ele passava a língua por seus seios, ela achava que ia enlouquecer, sua respiração começou a acelerar, ela percebia a violência se acumulando nele, e aquilo a deixava mais enlouquecida ainda, as mordidas doloridas que começava a sentir nos seios bastaram para que ela estivesse pronta outra vez.
-Completamente obediente agora entendeu? Falava isso a forçando para o chão, puxando seus cabelos com força.

Mais uma vez, um sexo violento delicioso.

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