CAPÍTULO I
I
As sirenes tocando, chuva, confusão,
o homem caído, ferido, sangue sendo lavado pelo céu, sentada no meio fio,
olhando alheia, o cabelo escorrido no rosto, suja, cheia de arranhões, com
frio, as pessoas falando ao seu redor. Não
conseguia ouvir nada só o tumulto, como se fosse um imenso zumbido atordoando
ainda mais sua cabeça dolorida.
Viu erguerem o corpo na maca,
ensopado de sangue e chuva, o que havia acontecido mesmo? A dor por todo corpo
começando a aumentar por causa do frio, alguém estava falando diretamente com
ela, não conseguia prestar atenção, o que tinha acontecido ali? Porque estavam
levando aquele homem numa ambulância?
Os paramédicos estavam perguntando
algo, ela não conseguia entender, apenas olhava para o homem que falava e não sabia
porque eles estavam ali ou o que tinha acontecido, porque estavam ali? Era
mesmo ele que ela estava vendo ali, deitado agora dentro da ambulância
recebendo os primeiros socorros? Seu amigo.
Curiosos passavam e paravam para
observar, em meio à confusão de polícia e socorristas.
-
Devia ser um sonho logo acordaria.
Algumas imagens apareciam em flashes
na sua cabeça, gritos, pessoas correndo, tudo muito confuso, nada fazia sentido
e logo tudo desaparecia e ela voltava e ver as pessoas ao seu redor falando,
falando, e ela ali sem entender, sentia dores por todo o corpo, alguém colocou
um cobertor em torno de seus ombros, tentavam levantá-la, ela queria perguntar
para onde estavam indo porque ela estava ali, mas não conseguia falar, sentia
tanta dor de cabeça, tinha sangue nas mãos.
Escuro.
Acordou em casa, Eddie sentado numa poltrona próximo a cama
em que estava deitada.
-Ah! Acordou, o que foi aquilo tudo?
O que aconteceu dessa vez?
-Onde ele está?
-No hospital, muito machucado,
dentes arrancados, um dos olhos bastante prejudicado, e o pior de tudo, os
cortes nos pulsos, foi um ataque violento.
-Eu nem consigo me lembrar das
coisas direito... estou toda dolorida...eu apanhei também?
-Porra, como eu vou saber? Só fui buscar você,
voltou conversando comigo, não lembra?
-Na verdade não... minha cabeça....
-Acho que você tomou uns sopapos também, o que
vocês estavam fazendo? Onde estavam indo? Aquela bicha provocou isso?
-Para de falar assim da Susy.
Na realidade o que ela tinha passado
era muito maior do que sua mente podia lembrar, talvez o medo e a dor tivessem
bloqueado, tinham usado a droga, e os efeitos sempre eram uma surpresa, não
queria se lembrar, todas as vezes era assim.
Depois de tanto tempo, o uso daquilo
já era uma dolorosa e agoniante alteração, as reações psicológicas não eram o
pior, a mutação física era a coisa mais difícil que aquilo causava e de uma
certa forma, uma satisfação que não podia ser descrita.
Só que dessa vez houve um descuido
dos dois, como ficaram sabendo quem eles eram, ou aquele confronto fora casual
de bandidos comuns?
Seu corpo estava cheio de manchas
roxas, tantas dores que mal podia se mexer, estava com algumas unhas quebradas,
percebeu que tufos de cabelos haviam sido puxados, a cabeça parecia ter sido
batida contra o chão diversas vezes, bem possível.
Eddie se aproximou dela com muita
raiva e a segurou pelos braços.
-Mais que porra! Vocês nunca vão
parar com essa loucura!Porque? Continuar isso, até quando? Já pensou o que vão
fazer com você e se agora já sabem onde estamos, vai começar tudo outra vez....
- Calma honey, vamos tomar mais cuidado agora.
-Agora? Porra, não viu o estado
daquele viado? Viu o que fizeram com ele? Foi por pouco, por muito pouco dessa
vez.
-Eu sei, na verdade não sei, não me
lembro, não sei por que dessa vez não consigo lembrar.
-Talvez algum novo efeito dessa
merda toda.
-Pode ser, quem sabe...Preciso
dormir um pouco, pode deixar tudo escuro?
-Preciso sair, vou deixar você
descansar, tente colocar sua cabeça no lugar querida, isso não pode continuar
assim, as coisas vão sair do controle, pense nisso.
Ela o abraçou com carinho e o beijou
com amor, mas pôde ver que seus lindos olhos azuis estavam mais tristes do que
o normal, olhos, que eram pra ela um espelho profundo da alma daquele homem que
ela amava tanto, que amava mais que tudo. Deixou que ele saísse.
Caiu em um sono sem sonhos, pesado e
escuro como aquele quarto.
Quando acordou, já não tinha mais
noção de tempo, Eddie estava ali, como sempre, ele sorria,
-Boa tarde querida!
Seu sorriso era tão encantador que
ela não podia deixar de pensar com dor porque fazia tudo aquilo, porque não
podia deixar toda aquela loucura de lado, e viver com seu amor apenas? A
loucura fazia parte de seu amor, e ele sabia disso também, talvez ele a amasse
toda essa loucura, e por terem vivido juntos antes coisas estranhas, não podiam
mais cogitar uma separação de fato. Ela questionava se ele a amava realmente,
ou se apenas estava acostumado a cuidar dela como um irmão mais velho, pensar
nisso era doloroso, imaginar que seu amor era menor a fazia sofrer mais do que
poderia aguentar. Seu amor por Eddie era intenso.
-Fiz café pra gente querida, está
com fome?
-Estou morrendo de fome, quanto
tempo eu dormi?
-Quase três dias.
-Tudo isso?! Nossa! Dessa vez esgotei
tudo que tinha mesmo, disse isso com um sorriso desmotivado.
-Sim, você se arrisca sem
necessidade.
-Você sabe que não é bem assim, sabe
porque me submeto a isso tudo.
-Sim eu sei, mas você acredita mesmo
que vai conseguir continuar? Acha que ainda é necessário tudo isso, toda essa dor,
ainda mais porque os maiores prejudicados são vocês?
-Sim, na verdade, fomos os maiores
prejudicados e precisamos acabar com tudo isso, você não pode achar que eu
poderia viver toda essa merda assim com essa lembrança me castigando, me diminuindo
a cada vez, sabe que cada vez é mais dolorido e perigoso não sabe?
-Querida...
Por favor, não me peça para parar
agora, depois de tudo… por favor...eu não posso, agora que conseguimos nos
equilibrar com essa porra dessa droga...
-Equilibrar? Olha o que você passa
cada vez que usa essa merda, toda essa dor, essa coisa horrorosa, você pode
chamar de equilíbrio?
-De certa forma sim, evoluímos
muito, não acha?
-Sim, mas a cada dia isso tudo fica
pior, e os riscos aumentam e você se expõe, de forma desnecessária.
-Tudo o que faço é necessário amor.
Os fanáticos estão por aí, a cada dia aumentando, como ratos.
-Ok. Vamos comer, deixemos esse
assunto para depois então. Você está bem para descer?
-Sim, estou apenas com dor no corpo
das pancadas eu acho, mas posso descer.
Desceram para fazer a refeição.
Comeram com apetite, ovos, suco de
laranja, ele havia até comprado bolo de chocolate pra ela, que sabia ser seu
preferido. Ela comeu com vontade, depois foi pra varanda da casa e acendeu um
cigarro, fumou tranquilamente, como se sua vida fosse aquela coisa pacata e
feliz daquele momento, queria que tudo se resumisse a apenas isso, que pudesse
descansar sua cabeça no colo do seu amor e ficar em paz e que todas as dores e
lembranças, que eram tão difíceis carregar sozinha sumissem para sempre
-Querido, pra onde levaram a Susy?
-Acho que foi pro Hospital
Universitário porque, você está querendo ir lá?
-Claro, preciso vê-lo, saber direito
o que aconteceu, ver como ele está, ver o que ele se lembra, quem eram aqueles
caras, não sei, preciso saber por que queriam nos pegar, se eram quem estou
pensando.
-Sim meu bem, vamos ao hospital,
você quer tomar um banho? Se refazer primeiro?
-Acho que estou num estado
lastimável não é mesmo?
Os dois riram, porque realmente ela
não estava com aspecto muito estimulante. Terminou seu cigarro, subiu e foi
direto paro o chuveiro, para um banho quente demorado e relaxante, precisava
muito disso.
No hospital ele já tinha acordado em
sobressalto, as dores no corpo, as agulhas espetadas nos braços, o barulho das
máquinas monitorando seu corpo o deixaram mais assustado ainda, estava sozinho
numa enfermaria, ou UTI, não sabia o que era, seu verdadeiro nome era Roberto,
mas por ser homossexual ao longo da sua vida recebeu os mais diversos apelidos
e Susy era um dos mais usados, até mesmo por ele.
Sabia que precisava sair daquele
hospital rapidamente, não podia deixar que fizessem exames mais profundos em
seu sangue, nem nada mais abrangente,
que pudesse identificar alguma anomalia, começou a arrancar as agulhas, saltou
da cama, derrubou o pequeno criado mudo que estava do lado da cama, o que o fez
ficar mais assustado ainda, seu desespero era tamanho que começou a sentir as
dores da metamorfose começando, não podia acontecer ali de forma alguma, o suor
frio, a raiva violenta aflorando, podia sentir a pele repuxando, não podia
acreditar que a coisa ia acontecer ali, não era possível, há quanto tempo
estaria naquele lugar? Será que alguém sabia que ele estava nesse hospital,
alguém estaria vigiando seu quarto? Ultimamente a cidade era perigosa para
pessoas como ele, havia muita perseguição, e mortes contra os seus, ou mesmo
contra as garotas e garotos das ruas.
Caiu no chão sentindo as dores
comuns da transformação, de joelhos tentou manter o controle, passou a respirar
lentamente, manter o fluxo sanguíneo mais lento, para tentar bloquear a coisa
toda, precisava sair, onde estavam suas roupas?
-Meu Deus! Que ódio, minhas roupas,
onde está a porra da minha roupa?
Falava entre dentes, tentando se
controlar, achou suas roupas guardadas, num pequeno armário perto da porta do
banheiro do quarto, vestiu-as rapidamente de qualquer jeito, abriu uma fresta
da porta para ver qual era a situação do corredor do hospital, como era a movimentação
de pessoas, fechou a porta novamente, procurou por janelas, viu que poderia
sair pelas janelas, começou a abrir uma para ver se cediam facilmente, sim
poderia sair por ali, mas e se o vissem saindo pelas janelas? Melhor pela porta
mesmo, abriu a porta devagar, viu que a movimentação era pequena no corredor do
hospital, tentou sair de maneira comum, disfarçando a dor que já conseguia
controlar, caminhava devagar procurando uma saída, achou uma porta lateral com um
segurança distraído com seu celular, passou por ele sem que ele erguesse os
olhos para ver quem era.
Respirou aliviado, estava na rua, sabia
que não poderiam achá-lo tão facilmente.
-Porque Penny não apareceu pra me
buscar? Bem, nem sei se apareceu ou não,
só acordei agora, aqueles filhos da puta quase deram fim em mim, que bafon.
Preciso ligar pra ela.
O casal foi em busca do amigo no
hospital. Ao chegarem, foram informados que ele não estava mais no quarto, e
ninguém sabia informar o que tinha acontecido, ela por sua vez, já sabia que
ele havia fugido, um alívio, saber que ele acordara e percebera a necessidade
de sair dali, para onde ele teria ido?
-Será que ele foi pra casa Eddie?
-Querida, vamos com calma, o melhor
a fazer é voltarmos e esperar notícias, você sabe que ele vai fazer contato.
-Sim, vamos voltar, estou
preocupada.
Pegaram o carro, quando ela estava
entrando no carro sentiu que estava sendo observada, havia um sujeito do outro
lado da rua, um tipo sinistro, careca, grandalhão, ela sabia que já o havia
visto, onde mesmo? Tratou de entrar rapidamente no carro. Imagens antigas
surgiram rapidamente causando arrepios, momentos que ela gostaria de não se
lembrar nunca mais.
-Vamos embora logo, estou agitada
demais pra ficar aqui.
-Hey! Calma mulher! o que é isso!
-Desculpe, apenas vamos embora. A
cada dia esse lugar fica mais estranho não acha?
-Entre no carro, vamos pra casa.
-Eddie, você acha que eram as caras
da igreja? Os mesmo das outras vezes?
-Pode ser, pelo que sei essa
religião deles já está instalada aqui na cidade há algum tempo.
-Será que vieram atrás de nós de
novo?
-Provavelmente, isso nunca vai ter
fim, sabe que quem criou essa confusão não se preocupa nem um pouco em arrumar
as coisas.
-Não é bem assim, as coisas não são
tão simples.
-Bem, você sempre vai ser parcial no
que se refere a ele não é mesmo?
Eddie disse isso com uma ponta de
raiva e ciúme.
-A questão não é essa, não é
simplesmente culpa de alguém, foi uma coisa que aconteceu entre eles, e depois
aquele outro começou tudo isso... essa loucura toda...uma guerra.
-Está certo, não vamos discutir
isso, porque nunca vamos ter a mesma visão, é impossível para mim.
-Querido, chega, eu preciso de
notícias da Susy.
Roberto tentava se locomover pelas
ruas mais vazias, sabia que sua aparência chamava a atenção, seu rosto estava
cheio de equimoses, inchado, tentava passar despercebido, não era fácil,
começou a buscar as ruas periféricas, onde as pessoas costumam não olhar duas
vezes para tipos estranhos por medo de serem reconhecidas.
Agradecia o frio e a chuva que era
constante naquela cidade, podia se enrolar num cachecol que havia achado no
hospital e “pegara emprestado", isso ajudava a esconder melhor seu rosto,
ainda faltavam algumas horas para escurecer, a noite seria mais fácil caminhar
sem ser visto, precisava saber se ela o havia procurado, ou mesmo se estava
viva, não se lembrava do que tinham feito com ela, apanhou tanto, eram três
batendo nele, se não estava enganado. Tentando desviar a atenção daqueles caras
da sua amiga, o que eles não fariam com ela se a pegassem e conseguissem
leva-la? Será que conseguiram?
-Preciso encontrar essa racha,
preciso telefonar pra ela ou pro bofe. Começou a procurar um telefone
público, seu celular não estava com suas coisas quando fugiu do hospital.
Achou um telefone público, discou,
esperou vários toques, ninguém atendeu. Desespero.
-Caralho! Se pegaram ela, vão
forçar, vão machucar pra valer, vai ser pior do que antes, espero que ela tenha
se saído melhor do que eu.
-Amor, me dá teu celular, esqueci o
meu em casa.
Ele procurou nos bolsos da jaqueta
de couro.
-Puta merda gata, não trouxe o meu
também.
-Caralho Eddie, vamos pra casa logo,
se a Susy estiver tentando se comunicar com a gente ela vai ficar preocupada
sem saber o que tá acontecendo, ele deve estar tentando ligar no celular.
-Calma, estamos chegando.
-Ok.
O nervosismo era tão intenso que o
casal não conseguia conversar, ele dirigia nervosamente, ela fumava um cigarro
quase esmagando o filtro entre os dedos sem perceber, suas mãos tremiam.
Chegaram em casa Eddie estacionou de qualquer jeito o carro, entraram quase
correndo, quando Eddie estava destrancando a porta pôde perceber um sombra nas
árvores, havia alguém ali, porém não fez nenhum comentário para não alarmá-la
ainda mais.
-Tranca bem essa porta querido, por
favor, deixa tudo bem trancado, você pode conferir as janelas lá de cima?
- Claro, fique tranquila, ok? Está
tudo bem fechado, cuidei de tudo antes de sairmos, mas vou verificar de novo.
- Cadê meu celular, onde está...
Ela achou o aparelho na cozinha no
balcão perto do fogão, havia cinco chamadas de um número que ela não conhecia.
- Deve ser um número de telefone
público, deve ser a Susy.
Procurou o telefone dele, estava
jogado por ali também, mais outra quantidade de chamadas, outro número.
- Ele deve estar ligando de lugares
diferentes para não ficar muito tempo parado, e agora, e agora? Ai Susy, me dá
um sinal de novo por favor!
- Está tudo fechado, devidamente
trancado, pode ficar sossegada meu bem.
- Obrigada querido, ela o abraçou,
com medo, o conforto do corpo dele era um grande alívio para ela, todas as
vezes que ela sofria aquelas transformações, tudo era tão dolorido e penoso,
todas às vezes, quando a coisa terminava, seu único refúgio eram os braços do seu amor, a força do seu
carinho, suficiente pra fazer com que ela
recobrasse o controle.
- Obrigado meu amor, obrigada de
verdade por ainda estar aqui comigo, confesso que dessa vez estou com medo,
como nunca senti antes, vi um homem nos observando quando estávamos saindo do
hospital, sei que o conheço, já o vi antes, ele me olhava direto nos olhos,
apesar de estar de óculos escuros, muito sinistro, eles estão perto querido,
muito perto...
- Hey, calma, calma, pode ter sido
uma confusão você está nervosa com medo. Ele sabia que ela tinha razão, ele
ainda podia ver o cara entre as árvores lá fora.
A noite foi chegando, as notícias
não, ela estava inquieta, andava de um lado pro outro, procurando algo com que
se distrair, mas nada realmente absorvia sua atenção, pegou um cigarro, foi pra
cozinha, costumava fumar na copa quando estava muito frio pra fumar na varanda,
acendeu nervosamente o cigarro, o tremor nas mãos era constante, ela já havia
percebido, achava que era por conta do nervosismo, mas era uma reação física
constante de uns dias pra cá, pegou uma dose de uísque, pra ver se conseguia ao
menos aliviar o tremor.
- Você não devia beber querida,
devia procurar usar menos drogas.
- Sei disso, mas sei também que
nunca fui uma freira, e preciso relaxar um pouco, quero ver se essa porcaria me
ajuda.
- Ok, venha amor, sente-se comigo na
sala, você pode fumar por lá mesmo, deu um de seus melhores sorrisos pra
quebrar aquela tensão, ao que tudo indicava funcionou.
- Minhas mãos não param de tremer,
será um efeito de toda essa merda?
- Provavelmente, você sabe que as
consequências são desconhecidas, sabe o preço que está pagando.
- Sei, vendemos nossas almas não é
mesmo? Ou melhor, ela me foi sequestrada.
- E agora não existe outro caminho
existe?
- Não, agora não há mais outro
caminho.
Temos que continuar, a coisa saiu do
controle por causa daqueles malditos religiosos, eles estão envenenando as
pessoas, tentando fazer o tempo das barbáries voltar, querem dominar pelo medo,
querem usar o poder “divino”, pra controlar a massa o medo, claro, sempre é a
melhor forma de controlar, ele estão transformando as pessoas em criaturas
violentas, temos que tentar eliminar esses filhos da puta.
- Desculpe meu bem, ele a abraçou,
mas é tudo tão dolorido, tanto sofrimento...eu não entendo...essa luta doentia,
tudo isso...me desculpe. Ele girou nos calcanhares e subiu para o quarto
deixando ela sozinha na sala, que parecia fria agora, isolada, ela olhava ao
redor e sentia o gelo, o tremor aumentando dentro do seu corpo, a vontade de
chorar e nunca mais parar, pegou outro cigarro, sabia que seu corpo estava
sofrendo uma destruição desenfreada, um cigarro a mais, não faria a menor
diferença mesmo.
Roberto por fim chegara para os lados
do famoso bairro conhecido por ser área de prostituição, onde conhecia as
pessoas que o receberiam, tinham tudo pronto pra ele sempre. Eram travestis que
trabalhavam por ninharias, na maioria das vezes faziam sexo em troca de um
punhado de “farinha” para cheirar, e faziam isso a noite inteira, cada vez que
o pó acabava, saiam em busca de um outro cliente disposto a lhes dar qualquer
coisa em troca de um trocado ou um pouco de pó.
- E aí bicha, o que fizeram
com a senhora? Acabaram com o rostinho da bonita, que de bonita não tem nada, o
grupo ria, a convivência entre as travestis era cruel, porque viviam em
concorrência, na busca de clientes, mas na verdade, eram uma família, que
acabavam se apoiando a seu modo.
- Olha viado, preciso ficar aqui, me
pegaram de jeito mesmo, não posso sair por aí dando o ar da minha graça.
Roberto precisava fazer parecer para
o grupo de travestis, que havia apanhado de um grupo de homens que estavam
fazendo sexo com ele e usando drogas, os travestis não sabiam direito o que
acontecia, mesmo porque elas estariam em perigo real se soubessem de algo mais
e ele não queria colocá-las em risco, eram pobres coitados, que se arrastavam
na vida, dependendo do pó se submetendo a violências sexuais para conseguir
doses diárias de drogas, era assim que levavam a vida, nada além disso, não
ofereciam perigo.
- Olha Bi, a gente vai sair
pra atender uns bofes na avenida, você fica aqui, tem pó se quiser, tem vinho
pra senhora se perturbar o quanto quiser, fica à vontade.
- Obrigada Margot, a senhora arrasa,
trocaram beijos afetuosos, as travestis saíram, montadas em suas roupas
espalhafatosas de prostitutas baratas, nem homens nem mulheres.
Roberto ficou ali sozinho, estava
numa casa velha grande e destruída, um
tipo de ruína antiga, com vários cômodos vazios e imundos, apenas alguns
espaços eram ocupados, havia uma televisão, uma cama de casal, com um colchão
que fedia a suor e mofo, abriu o pequeno armário perto da pia e achou uma
caixinha onde sua amiga travesti havia indicado onde ficava o pó, pegou a
caixa, esticou duas carreiras na mesinha perto da cama, cheirou as duas com um
canudo cortado, encheu um copo com aquele vinho barato, começou a procurar
cigarros de forma agitada, não poderia ficar sem cigarros agora, mas não podia
sair pra conseguir alguns, achou um pacote no mesmo armarinho, que bom! Acendeu
na boca do fogão, ainda não tinha visto o isqueiro.
O veneno agora circulava nas suas
veias o deixando agitado e petrificado, só conseguia fumar e sentir a agitação
química de seu corpo, a droga reagia de forma violenta, era mais perigosa.
Deixou a tv sintonizada num canal de clips musicais, estava passando um show de
rock, podia se deitar deixar a coisa toda circulando no sangue, mais e mais, a
cada novo tiro dado.
A noite correu normalmente, apesar
da tensão, ela acabou dormindo, sono agitado, conseguiu descansar. Acordou
ainda era de madrugada, seu amor dormia tranquilamente, o sono dos puros,
daqueles que são iluminados ou anjos, como ela o amava!
Levantou delicadamente da cama para
não acordá-lo desceu as escadas, a casa estava toda escura exceto pelo corredor
central, que ela gostava de manter aceso para orientação noturna, como gostava
de dizer. Andando agora pela casa, percebeu que não tinha visto seus gatos
ainda, onde estariam?
Foi até a sala, ficou parada um
tempo no meio daquele cômodo enorme sem coragem de se mexer, sentia certa
opressão vinda das janelas, queria olhar lá fora, mas não tinha coragem, tinha
medo de ver alguém vigiando a casa. O frio intenso da estação a deixava
deprimida, ouvia a chuva que caía constante, começou a se aproximar da janela,
melhor não olhar.
Sentou-se naquele grande sofá
aconchegante que ela escolhera para completar a decoração daquela casa que
amava, a primeira casa onde era feliz de verdade, onde podia viver com seu
amor, sem que tivesse alguém morando junto, amava aquele lugar, procurou seus
cigarros, viu sua caixinha mágica, sim , vamos a ele então, sua caixinha mágica
era onde guardava seu fumo, preparou seu baseado, essa coisa tinha um poder
incrível de controlar e abrir sua mente, costumava usar quando precisava ir
além, em outras ocasiões como esse noite, seria apenas para relaxar mesmo,
deixar a substância correr no seu sangue com seu maravilhoso efeito calmante
inebriante, que delícia, ela sempre
gostou disso.
Foi uma das poucas coisas que ela
trouxe consigo de seu velho país, de onde tinha precisado partir depois que
Scott havia aparecido, suas lembranças daquela terra eram confusas e
divergentes, sentia ódio e alegria daqueles tempos, de sua infância bizarra e
angustiante, depois uma adolescência controversa e rebelde, onde tudo
começou, as lembranças chegaram de novo,
queria entrar agora no sono mágico, sim,
o sono delicioso que o baseado proporciona….vou partir pra onde ninguém pode me
achar agora, se aconchegou naquele sofá mesmo, tinha sempre um cobertor por ali
nessa época, vamos querida, é hora de partir, precisamos conversar agora, era a
voz que ela queria ouvir, que estava esperando tanto, sim vamos embora…..caiu
no sono profundo.
Roberto resolveu que ficaria por
ali, era afastado e tranquilo, faria
contato sim mas precisava dar um tempo, precisava ver também o que estava
acontecendo, sabia que o fluxo de manipulação de gente ocorria mais em zonas
pobres e afastadas, em países de terceiro mundo principalmente, mas ali,
naquela cidade que havia demorado tanto pra aprender a gostar e entender, já
tinha observado que havia mutações, a involução ocorria ali ele sabia,
precisava de informações, ia dar um giro, falar com as travestis, as putas das
ruas, os traficas, e ver o que rolava, conhecia todos, ali era seu
ambiente natural, tinha vindo de um lugar parecido com aquele no Brasil,
invariavelmente se dirigia para lá quando
precisava se esconder ou conseguir informação, era seu lugar favorito, gostava
de verdade de ver essa coisa do submundo. As pessoas nunca entendiam quando ele
falava o quanto amava ver tudo aquilo, a miséria, a pobreza, a violência, ele
amava aquilo, para ele era a vida real, era o que movia sua vontade, gostava de
ficar ali dias, se drogar, arrumar uns caras e fazer sexo, com um, ou dois, e
esquecer o que o esperava, ficar naquela proteção imunda.
Sua amiga fora a única pessoa que
aceitara sem questionar, no começo ela evitava aparecer com ele nesses lugares,
dizia que a fazia lembrar demais do
Brasil, depois ela costumava ir com ele
para lá e faziam aquelas festas imundas, passavam dias se drogando, fumando,
bebendo, ela não fazia sexo com ninguém, nesse ponto Penny era muito seletiva,
gostava de homens loucos e deliciosos, isso ele tinha que admitir, ela sempre
teve os melhores, mas depois do Eddie, ela passou a não pensar mais nisso, sua
loucura se expressava em tudo que não envolvesse sexo, ele achava que sua amiga
era mais louca do que ele nesse ponto.
- Então meu querido! Quanto tempo. Roberto se dirigia a um rapaz de aspecto
violento, um traficante que era conhecido seu, Roberto costumava fazer favores
sexuais para ele em troca de drogas, às vezes em troca de nada mesmo, ele
gostava de sexo sem trocas.
- Me diga, tem aparecido gente
estranha por aqui?
-Não, não tem, vê se não me traz
confusão pra cá filho da puta.
-Calma Johnny, eu não trago ninguém
aqui você sabe, só aquela minha amiga.
-Sei, aquela delícia, por anda ela?
Queria pegar aquela loira e dar uma trepada com ela. Quebra essa pro seu
parça aqui hein viado, depois eu como você.
-Meu amor, aquela racha não é
dessas, ela tem as loucuras dela, mas com bofe, ela só tem os dela, nem sonha
meu bem, o negócio dela aqui e só “pertubação”, ela vem aqui porque aqui
ninguém acha ela.
-Sei, mas se eu pegasse ela, fodia
gostoso, tenho tesão quando vejo ela aqui, uma hora cato ela num canto a força,
haha.
-Te garanto que você vai se
arrepender se fizer isso Johnny. Ele ria, só de imaginar o que ela poderia
fazer com esse traficantezinho de merda se fizesse a mutação na frente dele
enquanto ele tentava estuprá-la, seria engraçado de ver.
-Johnny, aquele nosso trato, se
aparecerem por aqui uns caras diferentes, vocês precisam me avisar ou avisar a
loira, entenderam?
-Entendi sim, a gostosa já mandou a
grana, além de gostosa é rica, um dia vou pegar ela pra uma brincadeira.
-Esquece isso cara, essa mulher nunca vai ser sua, que porra
é essa.
-Fica frio viado, não vou mexer com
a sua amiguinha, por enquanto, tenho uma tara por ela, mas se eu resolver, que
vou querer ela de verdade, ninguém vai me impedir.
-Ah sim, você quem sabe, mas ela
mesma poderá responder isso se resolver atacar, meu querido.
Roberto já se virava dando as costas
ao tal traficante, porém foi parado pelo mesmo:
-O que você tá querendo dizer com
isso sua bicha de merda?
Roberto meneou a cabeça de forma
irônica e arrogante.
-Solta meu braço, seu bosta, já
sentia a adrenalina se alterando no sangue, a pulsação aumentando, o rapaz pareceu
ter percebido alguma alteração em
Roberto, porque começou a afrouxar o aperto no braço a relutar em ficar tão
próximo assim daquele gay tão estranho, essa era a verdade, Johnny sempre
achara esse viado muito estranho, desde o primeiro dia que tinha
aparecido, não era como os outros que circulavam ou viviam por ali, esse era um
tipo mais reservado, calado, agressivo até, era mais esperto que os outros, não
ficava pelas ruas fazendo programas baratos por drogas.
Ele chegava de vez em quando,
buscava o lugar de sempre para ficar e usar suas drogas, e era muita droga,
isso ele sabia, arrumava uns garotos pra se divertir, ele mesmo costumava
deixar a bicha chupar seu pau, era bom. Mas quando a bicha vinha com aquela
amiga, puxa vida, o mundo parava, quem era aquela mulher? Até hoje ele não
sabia, ela mandava grana para eles, muita grana, para que protegessem seu amigo
e ela mesma, não sabia nada sobre ela, só que vinha pro bairro, se enfiava
naquela casa, ficava dias também, diziam que ela ficava se drogando juntos com
os viados, ele nem podia imaginar isso, aquela princesa, tão séria,
calada, sempre meio escondida, falava apenas com algumas pessoas, diziam que
ela era louquíssima, Johnny não podia acreditar, queria ela, sempre quis desde
o primeiro dia.
-Um dia princesa…um dia…
-Ok, cara. Roberto cortou seus
pensamentos, eu preciso ficar mais uns dias por aqui, ainda não posso sair, me
arruma mais pó, deixa lá na casa, sabe que já tá incluso no pacote de pagamento,
não sabe?
-Sei sim, seu pó daqui a pouco tá
lá.
-Obrigada querido, se quiser pode
passar lá depois também faço um boquete gostoso em você.
-Talvez.
Agora quem se virou e foi embora foi
o traficante, Roberto resolveu voltar para a casa, precisava ligar pra ela. Foi
andando, na verdade quase correndo, sentia-se sendo observado, talvez não,
talvez fossem os olheiros das ruas. Chegou, achou o telefone que tinha pedido
pra ser comprado, começou a discar.
-Atende racha, ele
resmungava, enquanto ouvia o sinal de chamar do aparelho, atenderam.
-Alô.
-Gata!
-Susy! Era um grito de alívio. Não
acredito! Que bom, eu tava te esperando, porque demorou tanto, você não sabe
como e estava desesperada? Caralho! Porque você não me ligou antes, que porra!
-Epa! Que porra é essa? Deixa eu
falar caralho!
-Desculpe, eu tô desesperada
esperando seu contato.
-Eu sei, deixa eu falar, tô aqui,
você sabe, desde o dia que saí daquela paura de hospital, fugi de lá,
fiquei com medo de alguém aparecer, quem eram eles? Você sabe? A gente precisa
falar sobre eles, tô aqui desde aquele dia, me “pertubando” tô louca, nem sei
como tô viva ainda, a senhora vai vir? Vai precisar passar uns dias aqui comigo,
não vai dar pra chegar e sair no mesmo dia, é arriscado.
-Vou, sim, vou te encontrar aí, hoje
mesmo, mais tarde, vou pedir pro Eddie me deixar perto, você vai precisar
mandar as travestis me pegarem no lugar de sempre ok?
-Claro bebê, como sempre, já
abasteci o casebre de “pertubação” a senhora vai sumir do radar por uns dias,
avisa seu bofe que vai demorar.
-Ele já tá acostumado.
-Arrasô, até depois então.
Ela se sentiu subitamente tensa,
imaginando que teria que dizer ao seu amor que teria que deixá-lo por vários
dias. Ele sabia que isso acontecia, ela já havia feito isso inúmeras vezes, estava
angustiada em deixá-lo, precisava. Bem, que fosse.
-Querido, a Suyi acabou de me ligar.
-Ah finalmente, onde ele está?
-Onde sempre está, no gueto, irei pra
lá essa noite.
-Por que? É realmente necessário?
-Preciso, depois de tudo aquilo,
preciso falar com ele, precisamos analisar e ver o que faremos, e isso não pode
ser feito aqui.
-E como vai ser?
-Querido, como temos feito todas as
vezes
-Ok, você vai ficar fora por quanto
tempo?
O olhar que ele lançou a ela quando
fez essa pergunta era tão triste e cansado que ela quase chorou.
-Não sei, dias, talvez uma semana.
Ah, como detesto tudo isso! Eddie se
levantou da poltrona que estava sentado, andava pela sala, passando as mãos
pelos cabelos, tão sedutor, aquele simples gesto, ela quase desistiu de tudo,
só de olhar, mas não podia.
-Amor, olhe pra mim, ela estava ao
seu lado agora, tentando olhá-lo direto nos olhos, a única maneira que conhecia
de deixá-lo seguro, era falando diretamente com os olhos.
-Escute, preciso, você sabe, preciso
ver a Susy, e decidir o que faremos agora que nos acharam de novo, agora a
coisa se complica mais uma vez entende?
-Sim eu sei disso querida, mas tenho
medo, por você.
-Meu amor.Disse isso abraçando com
carinho.
- Sou mais perigosa que todos eles
juntos, sabe disso. Ele deu um sorriso sem ânimo,
-Sim, sei disso, mas ainda assim, é
minha garota.
-Fique tranquilo, lá estamos mais
seguro que em qualquer lugar desse mundo, toda aquela bandidagem nos protege no
final das contas.
-O que não deixa de ser uma ironia,
não é mesmo?
-Sim pode ser, mas faz tempo que
deixei de pensar sobre a ironia da vida, vou subir tomar um banho, pegar o
preciso, você me leva depois, no lugar de sempre?
-Espero aqui.
Ela subiu, sua cabeça rodava, e
agora, o que ia fazer? Pra onde iriam, será que teriam que deixar aquele lugar?
Tomou banho tentando aproveitar o calor da água e não pensar em nada, apenas
sentir o conforto do momento.
Saíram de casa de forma
descontraída, ela não carregava nada que pudesse indicar uma viagem ou demora
em retornar, quem visse diria que estavam indo jantar fora.
-Como sempre, vamos ao mercado, vou
ao banheiro, o mesmo esquema, as travestis estarão me esperando.
-Está certo.
Já no mercado, não podiam se
despedir da forma que gostariam, ela apenas olhava para ele, lágrimas escorriam
daqueles olhos que ela tanto amava, seu coração disparou, uma dor horrível
enquanto virava as costas e o deixava sem olhar pra trás como se fosse apenas
um momento.
Do lado de fora, um carro esperava,
ela já o conhecia, entrou.
-Olá meninas, eram dois rapazes,
vestidos de forma sóbria e elegante, os dois eram bem bonitos, com ares de
diversão.
-Oi racha, você demorou, já
estávamos ficando bege com sua demora, achando que alguma coisa tinha
dado errado.
-Não, apenas não conseguia me
separar do Eddie… difícil demais.
-Ai toda vez é isso, relaxa, vamos
embora, a senhora vai ficar tão louca agora que nem vai se lembrar dele. Eles
riam, tentando distraí-la daquela situação que sempre era tensa para todos.
Eles eram travestis, que sempre ajudavam ela e Roberto, sabiam dos riscos, e
justamente por isso gostavam tanto de fazer tudo aquilo, fora a grana que
rolava, com certeza, sempre tinha muito dinheiro em movimento e muita droga.
Ela sabia muito bem manipular tudo e todos ao seu redor. Meu Deus! Como posso
fazer isso com todas essas pessoas? Costumava pensar isso em certos momentos,
que se fôda, agora é tarde pra pensar nisso.
-Vamos crianças, vamos brincar, com
brincadeiras de adultos, ela ria, mas na verdade queria apenas se entorpecer para
não pensar em Eddie, era só isso que sentia, dor. A dor de lembrar daqueles
olhos no mercado, implorando de forma muda para que ela não o deixasse de novo.
Chegaram onde Roberto os esperava, o
lugar parecia até ligeiramente arrumado, fedia menos que ela podia se lembrar,
as coisas estavam menos sujas. Roberto percebeu que sua amiga olhava ao redor
reparando nisso, e enquanto se dirigia a ela para o abraço tão esperado, disse:
-Arrumei um pouco, pra você não se
sentir tão mal, e a abraçou com força, quase chorando de desespero.
-Susy! Meu querido, eu precisava
tanto ver você, saber como estava, porque demorou tanto pra fazer contato?
Ela ainda não conseguia largar seu
amigo, como se assim garantisse que ele não sairia de perto dela nunca mais.
-Gata, quando saí do hospital,
estava toda quebrada, uma coisa horrorosa de se ver, tiver que vir me
escondendo, pra não chamar atenção, olha pra mim, ainda estou toda roxa, ele
mostrava o rosto machucado para sua amiga, dentes quebrados, os olhos inchados.
-Vamos precisar arrumar essa sua
cara meu bem.
-Sim vamos, mas depois falaremos
sobre tudo, agora temos nossas amigas aqui, vamos fazer uma pequena festa de
comemoração, não é mesmo meninas?
-Claro! Responderam os dois
travestis em uníssono, estavam todos ansiosos para começar.
Roberto foi até o armário, pegou uma
caixinha de madeira muito bonita entalhada, dentro dela havia um saquinho com
pó, numa quantidade suficiente para dias de consumo, ele começou a esticar
várias carreiras brancas numa bandeja de vidro que tinha comprado para isso
especificamente, todos começaram a ficar agitados antes mesmo de começar a
aspirar aquele veneno, cada um tinha para si um canudo cortado, para
personalizar o uso da substância. Ela foi a última, todos já estavam com
cigarros acesos, copos de vinho nas mãos falando sobre tudo e nada, ela olhava,
para aquela linha branca esticada, e parecia indecisa,
-O que foi, não quer?
-Não é isso, estava só pensando, se
abaixou e de uma só vez aspirou tudo, ao erguer a cabeça, seu olhar já havia
adquirido um brilho feroz, já havia esquecido seu amor, agora era aquela
criatura má de verdade, não precisava se controlar.
-Um cigarro.
-Aqui, sua taça de vinho, o mais
estranho de toda a cena, naquela ruína miserável, que apesar de ser um lugar espaçoso,
extremamente pobre, ela havia mandado que comprassem, taças de cristal, algumas
bandejas de vidro, pequenas coisas que ela gostava de usar mesmo quando sua mente
fosse projetada para outro lugar. Fumava seu cigarro de forma desconectada, na
verdade ainda não estava pensando em nada.
-Faz outro pra mim.
-Pra todas nós querida.
Todos seguiram em uma nova rodada de
pó.
-Como estão as coisas por aqui?
-Por aqui tudo bem, já sondei tudo,
falei com quem precisava, tá tudo certo, eles não nos acharam aqui, não
conhecem esse lugar, fica tranquila.
-Espero que sim, puxa, desde aquele
dia, não tenho mais um segundo de paz, não consigo dormir, o que aconteceu? Eu
não lembro, depois que eles cercaram a gente, eu não me lembro de mais nada, só
depois quando estavam levando você pra ambulância, aquela confusão.
-Mais um tiro?
-Sim
-Bem, nem eu sei dizer exatamente o
que aconteceu, apanhei tanto daqueles filhos da puta, se a polícia não tivesse
aparecido do nada, nem sei.
-Bom, agora não vamos poder
conversar muito mesmo, com nossas visitas, elas estão nos chamando, vamos.
Foram ao encontro dos outros dois
travestis no outro cômodo da casa, começaram conversas inexpressivas, na
maioria sem sentido, todos completamente afetados pela droga, todos com aquele
brilho grotesco nos olhos.
-Bicha, preciso fazer sexo, a
senhora sabe como fico quando estou “pertubada”, vou embora “caçar um bofe”.
-Eu vou com a senhora, também tô
querendo, aliás está na hora da gente trabalhar não é mesmo queridinha?
O outro travesti começou a pegar
seus casacos e ajuntar suas coisas para irem embora.
-Meninas, obrigada mais uma vez.
-Pode contar com a gente, a senhora
é um escândalo, elas riam nervosamente.
-Separa um pouco do pó pra elas
levarem.
Já está com elas.
-Ah, ok.
-Até logo queridas, despediram-se
com beijos rápidos, movimentos duros, e sorrisos forçados por causa dos efeitos
químicos da droga.
-Ainda bem que elas se foram,
preciso que você chame ele aqui.
-A senhora está falando sério? E o
seu amado Eddie?
-Uma coisa não tem nada a ver com a
outra, o Eddie não faz parte disso, você sabe que “ele” faz parte da nossa vida
e de que forma, preciso.
-Sim eu sei, ele deve chegar logo,
eu já sabia que ia me pedir isso, eu vou sair arranjei dois bofinhos pra
atender, vou “fazer” os dois. Nisso ouviu-se uma batida na porta.
Ela sentiu o coração pular
desenfreado, era Scott, aquele era um monstro como ela, que vivia há mais tempo
do que ela como um monstro, um homem maravilhoso, fisicamente tão sexy, com um
corpo tão deliciosamente perfeito, cheio de tatuagens, olhar feroz,
comportamento tão feroz quanto seus olhos, com uma voz rouca e sedutora, ele
era tão poderoso e mau quanto ela, e ela precisava dele tanto quanto ele dela, ele
era seu criador, por assim dizer, dela de Roberto e de seu irmão.
-Olá Scott.
-Olá, ele se aproximava dela e já a
segurava pela cintura, enquanto puxava seus cabelos com força a beijando,
aquilo a deixava enlouquecida, ele era violento, e isso ela adorava, ficava
completamente submissa, ele sabia que era assim que ela gostava. Depois de
beijá-la com força e deixá-la acesa pronta pra pular em cima dele, ele a
largou, foi até a mesa, esticou, quatro tiros de cocaína, aspirou dois,
ofereceu a ela, o que ela aceitou, voltou a beijá-la, já tirando suas roupas,
ela estava pronta.
Scott enfiava a mão entre suas
pernas e sentiu que ela estava completamente molhada, deu um sorriso cínico,
-Pronta, como eu gosto.
Ela não conseguia falar, tamanha a
excitação que a estava dominando.
Ele a atirou no colchão, terminando
de arrancar sua calcinha, e começou a esfregá-la, ela quase gritava de prazer,
e via ele abrindo as calças, já sem camisa, aquele corpo perfeito, seus rosto mau
a enlouqueciam, Scott a virou com força de costas, abrindo muito suas pernas e
a penetrou violentamente, ela gritou, ele gemeu, assim que gostava, e
continuava penetrando com força cada vez maior, ela achava que ia morrer ali,
por fim ele diminuiu um pouco o ritmo, saiu de dentro dela, levantou, foi a até
a mesma e retornou com a bandeja de pó, esticou várias carreiras da droga, e
deixou na cama, voltando a agarrá-la com força, ela estava de quatro na cama,
ele forçava sua cabeça contra a cama a esmagando.
-Cheira, cadela.
Scott a puxava pelo cabelo, ainda
dentro dela, penetrando sem parar a forçava a cheirar o pó, aquilo era bom
demais, ela sentia que ia arrebentar de tanto prazer, a violência de Scott era
assustadora, e ela adorava aquilo, nunca sabia o que esperar.
-Cheira mais uma, vamos, cheira.
Sendo penetrada com força, ele esticava
o pó nas suas costas e cheirava no corpo dela sem tirar seu pau de dentro, ela
ia enlouquecer, como aquilo tudo era bom, por fim ele a obrigava a chupá-lo até
que gozasse na sua boca e a obrigava a engolir tudo, ela quase desmaiava
depois, nunca ninguém conseguia fazer nada parecido com isso, ela era viciada
nessa violência.
Scott saiu da cama, vestiu suas
calças, de forma sexy e distraída, foi até a mesa, preparou mais carreiras de
pó, aspirou mais duas, levou a bandeja até o colchão imundo onde ela ainda
estava estirada, exausta e violada,
deliciada com a violência daquele homem brutal e lindo, ele praticamente a
obrigou a cheirar o pó, ela o obedecia cegamente, sempre era assim, se ele a
obrigasse a rastejar pelo chão para lamber seus sapatos ela o faria, sem
pensar, o prazer que ela sentia em se submeter a ele era inexplicável, e ele
tinha pleno domínio desse fato, por isso sempre agia de forma brutal e
dominadora, ele gostava disso, dominar as pessoas era uma arte que ele
realizava muito bem.
Scott, não se limitava a gêneros,
ele apreciava a beleza, o poder de dominar as criaturas, gostava de homens e
mulheres, mas ela, há séculos era sua criatura especial, protegida, aquela que
ele esmagaria se pudesse, porque da mesma forma que gostava de machucá-la, gostava
mais ainda de ver o prazer que ela sentia estando com ele.
-Então garota, ele acendia um
cigarro, ele era quase obsceno fazendo isso, ela já sentia vontade de trepar
com ele de novo.
-O que ocorre, hora de fugir outra
vez? Problemas? E aquele seu brinquedinho bonitinho? Quando você vai me
emprestar ele um pouco?
-Pare com isso, você jamais vai
encostar seus dedos nele, se referiam a Eddie, sabe disso.
-Sei, sim, ele sorria arrogante, ele
é seu brinquedinho particular, eu faria um estrago com ele.
-Pare de falar dele! Ela estava
irritada de verdade, não podia aceitar que Scott se referisse ao seu amor assim
de forma tão vulgar, o que ela vivia com ele nada tinha a ver com esse lixo
todo, ele na realidade nem poderia imaginar ou sonhar o que realmente ocorria,
toda a violência, todas as drogas, o sexo, as misturas, as mutações, ele fazia
apenas uma ideia superficial das coisas, mas jamais presenciara essa parte,
jamais.
-Esqueça ele, meu assunto com você é
outro, nunca mais toque no nome dele.
-Eu sei delícia, ele a puxou pelos
cabelos com força, aquilo bastou para deixá-la completamente excitada, ele
passava a língua por seus seios, ela achava que ia enlouquecer, sua respiração
começou a acelerar, ela percebia a violência se acumulando nele, e aquilo a
deixava mais enlouquecida ainda, as mordidas doloridas que começava a sentir
nos seios bastaram para que ela estivesse pronta outra vez.
-Completamente obediente agora
entendeu? Falava isso a forçando para o chão, puxando seus cabelos com força.
Mais uma vez, um sexo violento
delicioso.
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